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Música Popular Brasileira sobre Economia

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Será inédito (e original) no Curso de Economia no Cinema – Cidadania & Cultura Brasileira, escrever um trabalho sobre Economia inspirado pela leitura da trilogia de Franklin Martins: Quem Foi Que Inventou o Brasil? A música popular conta a história da República. Vol. I – de 1902 a 1964. Vol. II – de 1964 a 1985. Vol. III – de 1985 a 2002. RJ, Nova Fronteira, 2015.

Visite o site: http://quemfoiqueinventouobrasil.com/. Soma-se a essa inspiração a audição do playlist do Spotify (12142604272), Economia em Letras de Música, com músicas populares brasileiras que reportam à economia. Foram selecionadas por mim.

Segundo Martins, “não há fato relevante da política brasileira, no século XX, que nãotenha provocado a criatividade de nossos compositores e que não tenha sido cantado pelo povo, em uma resposta quase simultânea aos acontecimentos. As pouquíssimas exceções a essa regra deram-se em períodos de ditaduras ou em conjunturas nas quais os fatos políticos desenrolaram-se com rapidez tão vertiginosa que, em pouco tempo, acabaram sendo superados por novos desdobramentos, ainda mais significativos”.

Encontra-se letras de músicas com temas econômicos em quase todos os gêneros cantados pelo povo brasileiro. Entre outros, dos sambas à bossa-nova, das cançonetas às músicas de protestos, dos baiões aos rocks, dos repentes aos raps, dos frevos aos funks, todas as variantes abrigadas na chamada MPB (Música Popular Brasileira) podem ser pesquisadas.

Além de análise por gêneros musicais, cabe classificar os temas econômicos abordados que forneceram inspiração aos compositores. Eles estiveram atentos aos principais eventos macroeconômicos ou expressaram apenas os fenômenos microeconômicos?

Desde os primórdios, os letristas buscaram fazer a crônica musical de eventos, costumes, novidades, modismos e reviravoltas da vida nacional, de um modo geral – e da cena política, em particular. A música popular brasileira segue fazendo a crônica da vida econômica nacional?

No início do século XIX, com a chegada da corte portuguesa à colônia nas Américas, cantou-se: “Quem furta pouco é ladrão / Quem furta muito é barão / Quem mais furta e esconde / Passa de barão a visconde”, debochava uma canção satírica obre a decisão do rei de vender títulos de nobreza para equilibrar as finanças da Coroa.

A cançoneta, herdeira da chansonette francesa, por aqui aportou em meados do século XIX ao serem abertos os primeiros “cafés-cantantes”. Era uma canção curta que explorava, em clima de chacota, os fatos da atualidade, geralmente com letra maliciosa e de duplo sentido. A cançoneta logo encaixou-se com a natural inclinação jocosa que já existia no público brasileiro. Passou a designar qualquer cantiga engraçada ou maliciosa.

O Teatro de Revista era visto como revistas encenadas nos palcos. Eles se propunham a revisar com ironia os principais acontecimentos, novidades e modas surgidas durante o ano. Eram uma crônica dos fatos, feita em tom de pilhéria. Consolidaram o gosto popular pela crônica dos fatos comportamentais, políticos e sociais, tratados com irreverência e malícia. E os econômicos?

A canção no Brasil consolidou, definitivamente, sua condição de cronista dos fatos políticos, sociais e culturais com a transformação do carnaval, que nos últimos anos da década de 1910 passou de festa dançada a festa também cantada.

A indústria fonográfica foi criada no Brasil em 1902. A produção de músicas para o carnaval já era responsável, na década de 1930, por 40% dos títulos lançados anualmente pelas gravadoras.

Esse fenômeno reforçou-se ainda mais na Era do Rádio, chegando até os anos 1960, ou seja, durante meio século, o carnaval inspirou a maioria das músicas produzidas no País, destacadamente de canções de crônica de fatos e costumes. Estas só perdiam para as canções românticas tipo “ai que dor, perdi meu amor”…

Na década de 1960, com o início da Era da Televisão, tornando esta o principal meio de comunicação de massa, o carnaval passou de festa bailada e cantada para festa assistida passivamente. Na ditadura militar, a participação ativa na rua foi substituída por assistir o espetáculo televiso em casa.

Com a decadência dos “bailes de carnaval”, inclusive em salões de clubes (ambientes fechados), deixou-se de criar marchinhas, ultrapassadas pela hegemonia dos sambas-enredos, cuja tradição era revisar os fatos históricos épicos e exaltar os vultos do passado como heróis. Com a onda nacionalista ufanista, em marcha forçada pelos militares, foi sendo auto censurada a revista dos fatos sociais, políticos e comportamentais recentes.

E “o milagre econômico” deu margem para a louvação tipo “porque eu me ufano do meu País: ame-o ou deixei-o”. A economia só fomentou as “canções reaças, preconceituosas, machistas, homofóbicas” ou deu margem à permanência da relação da música popular com a crônica? Como se cantava as dores e as alegrias do cotidiano?

No Brasil, a relação entre a música e a política não é como em outros países onde as músicas têm um caráter claramente militante, buscando mobilizar partidários e estigmatizar partidários, ainda que com criatividade e bom humor. Nestes países, à medida que os conflitos eram resolvidos, com a vitória de um dos lados, decaia o ritmo de produção musical sobre política. Já no Brasil embora em alguns momentos a música tenha se revestido de caráter militante ou engajado, seu padrão habitual foi o da crônica dos fatos, o que a levava a alimentar-se de temas novos, dando-lhe continuidade e permanência.

Por exemplo, a oposição entre quem pega no pesado e quem não gosta do batente é um tema basicamente comportamental. A crítica ou a louvação do malandro diz respeito a duas perspectivas distintas:

  1. a do patrão que deseja subordinação total à linha de produção em série e
  2. a do empregado consciente de sua exploração.

Para Franklin Martins, “os critérios para que se considere que uma música versa sobre política não são rígidos, imutáveis, atemporais. Ao contrário, eles variam de acordo com as próprias condições da luta pelo poder nos diferentes períodos, que agem tanto sobre quem produz como sobre quem consome as canções”. Em outras palavras, ele sugere que o ponto de partida para a classificação dos temas econômicos na MPB está na identificação dos temas que estão presentes na cena nacional em cada determinado período.

Hoje, por exemplo, está sendo retomada a tendência de crônica social, política e econômica nas marchinhas de carnaval, mas de forma distinta do passado, pois a ilustração das letras com vídeos no YouTube é fundamental para lhe captar o duplo sentido malicioso. A direita golpista, não conseguindo disputar em inteligência e bom-gosto com a esquerda democrática no campo cultural, afirma que as marchinhas são “politicamente incorretas”. Muito antes, pelo contrário! Elas são politicamente corretas ao denunciar os escândalos do governo golpista e seus apoiadores reacionários!

Tome a letra de “O baile do cidadão do bem” como exemplo. Ela foi a grande vencedora da sexta edição do Concurso de Marchinhas Mestre Jonas, realizado em Belo Horizonte em 2017. “O baile do cidadão do bem” é uma paródia das manifestações a favor do golpe contra a Presidenta Dilma Rousseff.

“Essa Marchinha vai pra todo cidadão que defende

com unhas e dentes o estado democrático de direita”

Veja só quem vem

É o cidadão de bem, é o cidadão de bem!

Contra a corrupção

Taça de champanhe na manifestação

Eu só ocupo duas vagas no supermercado

Porque meu carro é top e muito bem tratado

Meu malvado favorito só voa de jatinho

Eu tenho fé em deus ele não vai cair sozinho

Veja só quem vem

É o cidadão de bem, é o cidadão de bem!

Contra a corrupção

Taça de champanhe na manifestação

A Sehrazade me conta toda noite

Lugar de vagabundo e transviado é no açoite

Bandido bom é bandido morto

Porém sou humanista, não sou a favor do aborto

Veja só quem vem

É o cidadão de bem, é o cidadão de bem!

Contra a corrupção

Taça de champanhe na manifestação

Eu repudio veementemente as provas cabais

Vou bloquear quem me ofende nas redes sociais

No movimento boca livre da varanda “gourmet”

Eu vou bater minha panela “le creuset”

Veja só quem vem

É o cidadão de bem, é o cidadão de bem!

Contra a corrupção

Taça de champanhe na manifestação

(Bateria e Voz)

Veja só quem vem

É o cidadão de bem, é o cidadão de bem!

Contra a corrupção

Taça de champanhe na manifestação

Veja só quem vem

É o cidadão de bem, é o cidadão de bem!

Salve! o cidadão de bem (Amém!)

Nessa privada o público é de ninguém

Nessa privada o público é de ninguém

Nessa privada o público é de ninguém

A segunda colocada foi  Solta o cano (Marcos Frederico/ Vitor Velloso). Sem as imagens — e a sonoridade do refrão “só tucano” — não seria tão sugestiva da época que vivemos: os tucanos não têm penas, só teflon!

Solta o cano que tá tranquilão no carnaval!

Solta o Cano

Mais um dia mais um vazamento

Segura o cano ou a casa cai

O furico tá na mão

E já não aguento

A pressão está demais!

Eu já rezei pedi pra Cristo

E finalmente achei a

solução

Eu arrumei o meu registro

Agora a casa não cai mais

Solta o cano que não cai

Solta o cano que não cai

Meu irmão

Já vai baixar a pressão

Solta o cano que tá

tranquilão

3º. Pinto por cima (Vitor Velloso – Gustavo Maguá – Marcelo Guerra)

4º. Puxa saco (Jadir Ferreira Laureão e Aldnei Pereira Sobrinho)

5º. Nesse Carnaval (Rafael Macedo)

O Concurso de Marchinhas Mestre Jonas foi criado em 2012 para homenagear o cantor, compositor e carnavalesco, falecido em dezembro de 2011. Desde então conquistaram a maioria dos votos as marchinhas:

  • “Na Coxinha da Madrasta” (2012),
  • “Imagina na Copa” (2013),
  • “Baile do Pó Royal” (2014),
  • “Rejeitados de Guarapari” (2015) e
  • “Não Enche o Saco do Chico” (2016) — veja abaixo.


Para Brasil

Ruy Castro e A Noite do Meu Bem: A História e as Histórias do Samba-Canção

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Depois de reconstituir o mundo da bossa nova no já clássico Chega de Saudade: a história e as histórias da bossa nova, Ruy Castro mergulha no universo do samba-canção e das boates cariocas dos anos 1940, 50 e 60 no livro A noite do meu bem: a história e as histórias do samba-canção.

Até 1946, quando o presidente Eurico Gaspar Dutra proibiu os jogos de azar no Brasil, a noite carioca girava em torno dos grandes cassinos: o da Urca, o do Copacabana Palace, o Atlântico, ou mesmo, subindo a serra, o Quitandinha, em Petrópolis. Eram verdadeiros impérios da boemia, onde a roleta e o pano verde serviam de pretexto para espetáculos luxuosos, atrações internacionais e muito champanhe.

A canetada presidencial gerou uma legião de desempregados – músicos, cantores, dançarinas, coristas, barmen, crupiês – e um contingente ainda maior de notívagos carentes. Os cassinos fecharam para sempre, mas os indestrutíveis profissionais da noite, sem falar nos boêmios de plantão, logo encontraram um novo habitat: as boates de Copacabana.

Eram casas em tudo diversas dos cassinos. Em vez das apresentações grandiosas, dos espaçosos salões de baile e das orquestras em formação completa – que estimulavam uma noite ruidosa –, as boates, com seus pianos e candelabros, favoreciam a penumbra e a conversa a dois.

Isso não quer dizer que tenham deixado de ser o centro da vida social. Ao contrário, não havia lugar melhor para saber, em primeira mão, da queda de um ministro, de um choque na cotação do café ou de um escândalo financeiro do que nas principais boates, como o mítico Vogue, frequentado por exuberantes luminares da República e por grã-finos discretos e atentos.

Mas a noite era outra: assim como o ambiente, a música baixou de tom. Os instrumentistas e cantores voltaram aos palcos em formações menores, andamento médio e volume baixo, quase um sussurro. Tomava corpo um novo gênero, um samba suavizado pela canção, que encontrou nas boates o lugar ideal para se desenvolver plenamente.

Essa nova música, com seus compositores, letristas e cantores; as boates, com seus criadores, funcionários e frequentadores, e o excitante contexto social e histórico – quando o otimismo com o futuro do Brasil ainda predominava – que fez tudo isso possível são o tema do novo livro de Ruy Castro.

Definir o samba-canção é tão difícil quanto explicar o significado de saudade.

Ao longo das quase 500 páginas de “A noite do meu bem: a história e as histórias do samba-canção”, o escritor Ruy Castro procura a definição perfeita para o gênero musical focalizado pela obra. “É o samba lento, confessional, com frases musicais longas e licorosas, perfeito para ser dançado de rosto colado”, explica a certa altura; “é a continuação natural de uma tradição romântica da música brasileira, filho ou sobrinho das modinhas, valsas, serestas, marcha-ranchos”, defende mais à frente; “é o samba de mão no ombro”, resume em outro trecho, tomando emprestada uma expressão usada pelo compositor Mário Lago em 1952.

Quase ao final do livro, Ruy encontra as palavras exatas: “É a música a que duas pessoas apaixonadas sempre poderão recorrer quando sentirem o seu amor em perigo”.

Não eram “sambas de sambista”, como se definiam os sambas rasgados e sincopados de Assis Valente, Wilson Baptista ou Geraldo Pereira. Eram sambas, sem dúvida — o ritmo, apesar de mais lento, era inconfundível —, só que românticos, intimistas e confessionais, com frases musicais longas e licorosas, perfeitos para ser dançados como sambas, mas devagarinho, com o rosto e o corpo colados.

O samba fora para a cama com a canção, numa romântica noite de bruma, e resultara neles, os sambas-canção, com suas letras narrativas, que contavam uma história — e esta, com frequência, se referia a um caso de amor desfeito, como de praxe nas músicas românticas em qualquer língua.

Naquele imediato pós-guerra, o samba-canção era a grande novidade no mercado musical. Todos os compositores e letristas do primeiro time começaram a produzi-lo e, com a implantação das boates no Rio, ele ganhara um habitat perfeito.

Um passeio ao passado remoto mostraria, no entanto, que o samba-canção era a continuação natural de uma tradição romântica da música brasileira que começara no século XIX — filho ou sobrinho das canções, modinhas, valsas, serestas, dos foxes e marchas-rancho praticados desde os primórdios por Chiquinha Gonzaga, Anacleto de Medeiros, Ernesto Nazareth, Pixinguinha, (…) e, a partir de 1930, por Orestes Barbosa (em parceria com Francisco Alves ou Silvio Caldas), Lamartine Babo, (…) e muitos outros.

Mas, para que houvesse o samba-canção, foi preciso que houvesse o samba. E este só se estratificou na segunda metade dos anos 1920, quando Ismael Silva e seus amigos do bairro do Estácio apresentaram a primeira leva de composições do gênero — “Me faz carinhos”, “Nem é bom falar”, “Se você jurar” —, que sepultou os maxixes da praça Onze. E, assim como já havia o choro-canção, o tango-canção e a valsa-canção, o surgimento do samba-canção era inevitável.

Um fator importante para esse amaciamento geral da música popular foi o surgimento, em 1925, nos Estados Unidos, da gravação elétrica, com microfone, aposentando a gravação mecânica, em que eram a força dos pulmões e o volume dos instrumentos que imprimiam a música na cera. A música americana foi a primeira a acusar os benefícios dessa transformação, com o fox-trot — pesado, sincopado e dançante, como o maxixe — dando origem ao fox-canção, como o praticado por todos os compositores americanos, de Irving Berlin a Stephen Sondheim, dos primeiros sessenta anos do século XX.

Do samba do Estácio ao samba-canção, foi apenas um passo. E este passo foi dado pelo maestro e pianista Henrique Vogeler, ao compor para o teatro a melodia de “Linda flor” — uma canção que podia ser dançada como um samba ou um samba suavizado pela canção. “Linda flor” ganhou uma letra de Marques Porto e outra, esta definitiva, de Luiz Peixoto: “Ai, ioiô/ Eu nasci pra sofrer/ Fui olhar para você/ Meus zoinho fechou…”. Lançada por Aracy Cortes em 1929, com o título de “Iaiá”, tornou-se popularmente “Ai, ioiô”, e assim ficou. Nascia um gênero.

Ary Barroso foi fundamental para a consolidação desse gênero ao compor grandes sucessos — e todos, grandes sambas-canção, mas quem os classificava como tais? O próprio Noel Rosa, tão admirado como sambista, não era o autor daquelas maravilhas que Aracy de Almeida iria cantar no Vogue anos depois?

Mas, no selo dos discos daquela época, muitos e legítimos sambas-canção eram rotulados apenas como sambas. Isso pode ter adiado o seu reconhecimento como uma forma musical específica, embora não impedisse que se firmasse. O fato é que, desde que o samba é samba, fizeram-se sambas-canção. O público é que não sabia que se chamavam assim.

Ary e Noel foram apenas alguns dos que prepararam o terreno para que, nos anos 40, surgissem compositores que, em breve, seriam especialistas do samba-canção: Herivelto Martins (“Ave-Maria no morro”, 1942), Lupicinio Rodrigues (“Brasa”, com Felisberto Martins, 1945) e Dorival Caymmi (“Dora”, 1945).

É preciso notar que, enquanto esses sambas-canção estavam sendo compostos, gravados e ouvidos por uma enorme população, mal se falava em bolero no Brasil — e o gênero nem era tão conhecido fora dos cabarés de Havana e da Cidade do México. Donde a apressada teoria, sempre repetida, de que o samba-canção é o bolero brasileiro nunca se justificou.

Como o nome diz, ele é um samba em forma de canção — suave, moderada. Ou uma canção em ritmo de samba — este também suave, moderado. É irmão de todas as canções românticas do mundo, como as canções francesas de Charles Trenet e Edith Piaf, os foxes-canção americanos de Cole Porter e Irving Berlin, e, por que não?, os boleros do mexicano Agustín Lara ou do cubano Ernesto Lecuona.

A prova disso é que muitos desses boleros, foxes e canções francesas faziam parte do repertório dos pianistas das boates cariocas — em ritmo de samba-canção.


Dick Farney e a Americanização da Música Popular Brasileira: Cantor de Jazz + Samba = Samba-Canção

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Ruy Castro quis escrever o livro A noite do meu bem: a história e as histórias do samba-canção para suprir uma falta que ele sempre sentiu. Nunca entendeu por que o samba-canção foi tão desprezado pela historiografia da música brasileira. É como se fosse um pecado o samba ter sido produzido e apreciado também em ambientes sofisticados.

Extremamente sofisticados, é preciso que se diga. Apesar de um dos primeiros sambas com características de canção ter sido feito ainda em 1929 (“Amizade”, de Ary Barroso, lançado por Francisco Alves), foi nas luxuosas boates que infestaram a noite de Copacabana no fim dos anos 1940 que o gênero viveu sua era de ouro.

Esta nova música, cuja gestação vinha de longe, tomou aos poucos espaços como a boite Vogue ou o Golden Room do Copacabana Palace, com seus compositores e cantores de quem não se sabia onde terminava a arte e começava a vida. Eram lugares onde se podia chegar a qualquer hora da noite, sem hora certa para fechar, para beber, jantar, ouvir boa música, dançar e se informar.

Era onde negócios eram fechados e os casos românticos fervilhavam. Ruy Castro leu muitas memórias de embaixadores, diplomatas, políticos para reconstituir essa vida privada dos ricos, dos poderosos e as farras do Clube dos Cafajestes, grupo famoso de playboys filhinhos-do-papai rico.

Após Dick Farney gravar “Copacabana”, na Continental, a música brasileira nunca mais seria a mesma. Como não se considerava capaz de interpretar sambas, Dick parecia condenado a perpetrar perfeitas imitações de Bing Crosby cantando música americana com o conjunto Milionários do Ritmo — e a não chegar a lugar algum.

A primeira providência era quebrar sua resistência e fazê-lo cantar em português. Assim, Braguinha deu-lhe “Copacabana”, e o resultado foi estrondoso. Para Dick, esse 78 representou uma nova carreira e, conscientemente ou não, introduziu ali um novo jeito de cantar: delicado, quase feminino, como Orlando Silva, mas natural e sem afetação, como o mesmo Bing. E, ao contrário do que depois diriam os puristas, as grandes massas não se ofenderam com isso — porque “Copacabana” ficou nas paradas pelo ano e meio seguinte.

Além disso, Crosby era uma influência quase inevitável — afinal, inventara o canto popular moderno. Era imitado pelos cantores americanos, ingleses, franceses, cubanos e de onde mais houvesse música popular. Dez anos antes, o próprio Orlando Silva acusara essa influência ao surgir cantando para o microfone — como Bing —, e não contra ele, como a maioria de seus colegas.

Com sambas românticos, mais adequados ao seu estilo, Dick seria uma sensação. “Copacabana” era mais do que adequado. Era uma revolução. Sua letra representava a saída da música brasileira para o mar — até então, exceto pelas primeiras marinhas de Caymmi, ignorado como inspiração e temática. Era também o primeiro samba-canção da era das boates, e parecia feito de encomenda para elas — poético, reflexivo, perfeito para as madrugadas à meia-luz. O acompanhamento dispensava os tradicionais flauta, cavaquinho e pandeiro, e mesmo as cordas de Radamés Gnattali poderiam ser substituídas por um piano.

O recado das rádios e das lojas foi entendido pelos demais compositores e cantores. O samba agora era uma canção. Poucos meses depois, no começo de 1947, Dorival Caymmi compôs “Marina” — “Marina, morena Marina/ Você se pintou/ Marina, você faça tudo/ Mas faça o favor…” —, e entregou-o a Francisco Alves.

A Continental deu a Dick tratamento de luxo: sua enorme orquestra, regida por José Maria de Abreu, e arranjos de Radamés. Bem diferente de sua gravação de “Marina”, em que ele próprio se acompanhava ao piano e mais nada. Foi este o formato — cantor e piano — que, a convite do barão Stuckart, Dick levou para o Vogue no começo do segundo semestre de 1948, roubando por algumas semanas as atenções que estavam sendo despejadas sobre Aracy de Almeida e Linda Baptista.

Foi sua estreia como atração principal em uma boate e o começo de uma longa história de amor entre ele e a plateia. À razão de duas entradas por noite, à meia-noite e às duas da manhã — garantia de casa cheia para o barão, antes e depois —, Dick tinha agora um repertório que, por si, já justificava o advento do samba-canção. E, além da música, havia ele próprio.

Para os grã-finos que formavam o público do Vogue, Linda e Aracy eram grossas mas deliciosas, porque autênticas. Já Dick era de outra extração — atraente, bem-nascido (o pai, pianista clássico; a mãe, cantora lírica), ex-aluno do São Bento e do São José, atencioso com as senhoras, levantava-se de um salto à aproximação de uma delas.

Se não estivesse ao microfone, poderia, talvez, estar com esses mesmos grã-finos à mesa, tomando White Horse, fumando Chesterfield e discutindo sobre a superioridade desta ou daquela marca de raquete de tênis ou taco de golfe. E, ao cantar, mesmo que suas letras falassem de amores fracassados, o intérprete mantinha o jeito galante, a fleuma, a compostura. Ou seja, seu samba-canção era sem desespero.

Mas não era essa a regra entre os muitos cantores e compositores que, a partir de 1947, se atiraram apaixonadamente ao samba-canção. A beleza das melodias e a dramaticidade das letras eram para ser exploradas até o último soluço.

Enquanto não surgiam outras revelações além de Dick Farney, os cantores veteranos, com toda a solenidade e impostação que traziam do passado, continuaram a ser os mais procurados — e, entre eles, ninguém mais que Francisco Alves. Somente naquele ano, ele lançou três pesos pesados do novo gênero.

Uma história por trás de “Nervos de aço” correu os bastidores das rádios e das boates cariocas e é contada por Ruy Castro no livro “A noite do meu bem”. Na Porto Alegre dos anos 30, o garoto Lupicinio era noivo da mulata Inah e, apesar de apaixonado por ela, hesitava em trocar a boemia pelo casamento. Inah esperou três anos. Quando se convenceu de que Lupicinio não tomaria uma atitude, foi à luta. Dias depois, ele a viu na rua da Praia, pendurada no braço de um homem — com quem se casaria.

Lupicinio Rodriguez desesperou-se, teve ganas de matar ou morrer. Mas acalmou-se, apelou para seus “nervos de aço” e fez do sofrimento um samba-canção. A partir daí, por seu suposto histórico de amores desastrosos, criou-se a lenda — estimulada por ele — de que todos os entrechos que cantava tinham-lhe acontecido. O que não era verdade, e só servia para reduzir Lupicinio a uma espécie de cronista da cornitude, quando o que importava era o seu poder, quase insuperável, de penetrar no coração masculino.


Big Data Musical

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João Luiz Rosa (Valor, 09/06/17) reporta que já faz algum tempo que empresas de diversos setores usam o Big Data – o enorme volume de dados proporcionado pelas novas tecnologias – para melhorar seus negócios. Pode ser um sistema que analisa os hábitos do usuário para sugerir filmes ou livros ou um programa que identifica tudo que consumidor põe em seu carrinho de supermercado. Agora, porém, a Oracle decidiu empregar o Big Data em algo inusitado: fazer música.

A companhia americana de software recorreu a algumas das principais redes sociais — Facebook, Twitter, Instagram e LinkedIn — para perguntar ao público que instrumentos, ritmos e até palavras gostaria de ouvir na nova versão da música “El Perdedor”, do cantor colombiano Maluma. Em pouco menos de um mês, alcançou 54,3 milhões de pessoas na América Latina, com 8 milhões delas respondendo às perguntas.

Os brasileiros foram maioria, com 40,7% dos comentários, seguidos dos venezuelanos (38,5%) e colombianos (7,3%). Desde que a experiência teve início, o total de pessoas envolvidas na web ultrapassa 61 milhões, com mais de 9 milhões de mensagens enviadas. No Twitter, o tema chegou a entrar nos “trend topics” global, a lista dos dez assuntos mais discutidos do mundo.

“Fiquei impressionado com o resultado”, diz o músico e produtor Dudu Borges, responsável pela nova versão da música, que tem participação da dupla brasileira Bruninho e Davi e é cantada em espanhol e português. Desde seu lançamento, no dia 30 de maio, o clipe acumula mais de 4,5 milhões de visualizações no site de vídeos Vevo.

A experiência continua. No estúdio do produtor, em São Paulo, duas grandes telas mostram, em tempo real, as interações das pessoas. É possível obter detalhes sobre cada mensagem: idade do internauta, sexo, região onde vive etc. “É uma coisa viva”, afirma Borges. “Mais importante que obter respostas é entender por que as pessoas pensam daquela maneira.”

Os internautas escolheram o pop como o ritmo mais identificado aos latino-americanos. Em seguida veio o rock. O samba apareceu em um distante terceiro lugar. O instrumento favorito, para surpresa de muitos, foi a bateria, à frente do violão e do piano. Ficou de fora a sanfona, quase indissociável de duplas sertanejas como a de Bruninho e Davi, convidada para o projeto.

O resultado musical reflete essas preferências – a nova versão da canção é mais pop, com ênfase na bateria. Dá para perceber a diferença em relação à gravação original, que é influenciada pelo reaggaeton, uma mistura de reggae com hip hop e música eletrônica. Maluma é um dos principais nomes dessa tendência, que explodiu com o porto-riquenho Luis Fonsi, autor de “Despacito“, primeira música latina a chegar ao primeiro lugar na Billboard em 20 anos. O antecessor foi “Macarena“, sucesso do fim dos anos 90.

No projeto foi usado um software de “social listening“. A tradução literal — escuta social — não dá conta da complexidade da tecnologia, que varre as redes sociais e os fóruns de discussão na internet para identificar palavras e assuntos que sejam de interesse de uma corporação, mesmo sem uma menção direta à marca ou nome da companhia. O programa faz uma análise do sentimento que é exposto na rede e consegue mensurar se um comentário é neutro, positivo ou negativo.

No ano passado, o mercado latino-americano de Big Data e programas analíticos – softwares que ajudam a tomar decisões de negócios depois de analisar acúmulos de dados – movimentou US$ 2,48 bilhões, segundo a consultoria Frost & Sullivan. O Brasil representou a maior parte do bolo, com US$ 1,16 bilhão ou 46,8% do total. A projeção é que os negócios na América Latina cheguem a US$ 7,41 bilhões até 2022.

A Oracle não está sozinha nesse mercado. Disputa espaço com rivais como IBM, SAP e SAS. Com o projeto musical, que envolveu a agência de marketing Momentum, afiliada do grupo McCann-Erickson, e a Vevo, a Oracle tenta provar que os softwares de negócios estão mais fáceis de usar e podem ser adotados por muito mais empresas. É um cenário diferente dos primeiros tempos, quando os programas eram complexos e sua implantação ficava restrita a grandes companhias.

Um dos principais agentes dessa mudança é a nuvem, o modelo pelo qual o cliente não precisa implantar o software em suas máquinas. O pagamento é feito na forma de serviço, como se fosse uma conta de água ou luz.

Borges diz não ter encontrado muita dificuldade para aprender a usar a tecnologia. No princípio, conta, houve um certo receio de que o software pudesse tornar mais frio o ato de compor – uma tarefa semanal para ele e diária para sua equipe. Em pouco tempo, porém, o medo passou. “Este é um mundo que dá mais segurança para que você faça o que já sabe fazer”, afirma o produtor. “No campo da arte, a tecnologia não faz nada sozinha.”


Das Canções Bregas, Regionalistas e Sertanejas aos Rocks Brasileiros

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Fiquei feliz com a avaliação oral que meus alunos fizeram da nova experiência didática no nosso curso Economia no Cinema: Cidadania e Cultura Brasileira.

  • Para avaliar o curso, utilizaram o conhecimento sobre as interpretações a respeito do Brasil para escrever um trabalho sobre Economia em Letras de Músicas, inspirado pela leitura da trilogia de Franklin Martins. Quem Foi Que Inventou o Brasil? A música popular conta a história da República. Vol. I – de 1902 a 1964. Vol. II – de 1964 a 1985. Vol. III – de 1985 a 2002. RJ, Nova Fronteira, 2015. Visite o site: http://quemfoiqueinventouobrasil.com/
  • Somaram à essa inspiração a audição da playlist do Spotify (12142604272), Economia em Letras de Música, com MPBE: Músicas Populares Brasileiras sobre Economia. As letras estão em: Fernando Nogueira da Costa – Economia em Letras de Música
  • Encontraram letras com temas econômicos em quase todos os gêneros musicais cantados pelo povo brasileiro. Muitas variantes abrigadas na chamada MPB (Música Popular Brasileira) puderam ser pesquisadas, classificadas e analisadas, seja por gêneros musicais, seja por temas.
  • Para pesquisa e apresentação áudio-oral do trabalho, a turma foi dividida em cinco grupos para a pesquisa que simula desafios que encontrarão na vida profissional:
    • Grupo I: dos sambas à bossa-nova,
    • Grupo II: das marchinhas de carnaval às músicas de protestos,
    • Grupo III: da Tropicália à MPB,
    • Grupo IV: das canções bregas, regionalistas e sertanejas aos rocks brasileiros,
    • Grupo V: dos raps aos funks.
  • Além de análise por gêneros musicais, classificaram os temas econômicos abordados que forneceram inspiração aos compositores. Eles analisaram se os compositores estiveram atentos aos principais eventos macroeconômicos ou se expressaram apenas a vida econômica pessoal. Concluíram que a MPBE podem ser escutadas como a expressão popular de reais problemas socioeconômicos.
  • Desde os primórdios, os letristas buscaram fazer a crônica musical de eventos, costumes, novidades, modismos e reviravoltas da vida nacional, de um modo geral – e da cena política e econômica, em particular. Concluíram também que a música popular brasileira segue fazendo a crônica da vida econômica nacional.
  • Foram criativos e demonstraram a capacidade analítica dessa expressão cultural dos sentimentos populares sobre a economia.
  • Serviram como inspiração os seguintes posts:

Economia em Letras de Música

Economia em Letras de Música: Dinheiro, Salário, Dívida, Vagabundagem…

Economia em Letras de Música: Desigualdade e Criminalidade

Economia em Letras de Música: Ostentação

Uma ótima apresentação, aplaudida espontaneamente pelos colegas, foi a seguinte:  ENRIQUE ALVAREZ & LUCAS BRIGANTI – Das Canções Bregas, Regionalistas e Sertanejas aos Rocks Brasileiros

Um debate que surgiu durante os seminários diz respeito ao rótulo MPB. Não é um “guarda-chuva” muito amplo sob o qual quase tudo é classificado?

Contra argumentei, aliás, como vimos o Chico dizer em sua cinebiografia, que a Bossa Nova e a MPB das Músicas de Protesto dos anos 60 eram ou muito elitistas ou muito vanguardistas… embora eu as aprecie muito. Tentei provar meu argumento exibindo o excelente documentário de que todos os alunos gostaram: Vou Rifar Meu Coração (2011; 1h19m).

Depois, houve um consenso que, desde a música brega, passando pela música caipira, até os raps e os funks (“ostentação”), nesses gêneros musicais há uma expressão emocional que fala diretamente ao coração. Não há metáforas indiretas ou poesia academicista. É porrada! Direto ao ponto! Dedo nas feridas!

Fiquei feliz, mais uma vez, por aprender ensinando. Vários alunos comentaram que passarão a assistir filmes e escutar músicas de outra maneira, depois deste curso, apreciando suas mensagens. Disseram-me que antes “não davam bola para filmes brasileiros e tinham preconceitos em relação a diversos gêneros musicais populares”. Aprenderam desde já, assim como eu aprendi ao longo de minha vida, a ter empatia com pessoas aparentemente distintas de nós, mas “tudo carne-e-osso” como nós!

Tomo os seguintes exemplos, dados pelos estudantes, de um gênero musical que eu, praticamente, não conhecia — a da música caipira. Adorei a estória — “não sei porque” 🙂 — da música sobre a causa judicial entre os mineiros e os paulistas descendentes dos italianos:

Um mineiro e o italiano viviam às barras dos tribunais Numa demanda de terra que não deixava os dois em paz Só de pensar na derrota o pobre caboclo não dormia mais O italiano roncava: nem que eu gaste alguns capitais Quero ver esse mineiro voltar de a pé pra Minas Gerais

Voltar de a pé pro mineiro seria feio pros seus parentes Apelou para o advogado: Fale pro juiz pra ter dó da gente Diga que nós somos pobres que meus filhinhos vivem doentes Um palmo de terra a mais para o italiano é indiferente Se o juiz me ajudar a ganhar lhe dou uma leitoa de presente

Retrucou o advogado: O senhor não sabe o que está falando Não caia nessa besteira senão nós vamos entrar pro cano Este juiz é uma fera, caboclo sério e de tutano Paulista da velha guarda família de 400 anos Mandar leitoa para ele é dar a vitória pro italiano

Porém chegou o grande dia que o tribunal deu o veredicto Mineiro ganhou a demanda, o advogado achou esquisito Mineiro disse ao doutor: Eu fiz conforme lhe havia dito Respondeu o advogado que o juiz vendeu e eu não acredito Jogo meu diploma fora se nesse angu não tiver mosquito

De fato, falou o mineiro, nem mesmo eu tô acreditando Ver meus filhinhos de a pé meu coração vivia sangrando Peguei uma leitoa gorda, foi Deus do céu me deu esse plano De uma cidade vizinha, para o juiz eu fui despachando Só não mandei no meu nome mandei no nome do italiano

A inflação e o salário se encontraram de repente O salário cabisbaixo, a inflação toda imponente Criticando a humildade foi dizendo malcriada Seu baixinho inconformado você não está com nada O salário envergonhado foi dizendo bem cortês Afinal quem é a senhora, pra que tanta estupidez A inflação muito arrogante respondeu toda orgulhosa Sou a força poderosa que arrasa com vocês

Eu sou filha do dinheiro ganho desonestamente Sou neta do juro alto, do agiota sou parente Eu sou prima do desfalque, do luxo desnecessário Ajudar ao semelhante pra mim é coisa de otário Dificulto a prestação que aumenta sem piedade Eu acelero a ganância e outras barbaridades Quem esbanja do meu lado sempre tem aceitação Sou a famosa inflação afligindo a sociedade

O salário respondeu você é cheia de trama Estou muito revoltado com a sua grande fama A senhora é responsável por um sucesso aparente E também por sua culpa veio miséria pra gente Eu sou o pobre salário irmão da renda precária O meu pai é o suor da nobre classe operária Minha mãe é a lavoura de milho, arroz e feijão Ouça bem dona inflação e senhora é mercenária

Vê se você vai andando sua bruxa descarada Vive ainda nesta terra gente bem intencionada Deixe de rondar meu povo que trabalha honestamente Saiba que sua presença esta sendo inconveniente Não existe neste mundo o que Deus do céu não veja O Sol nasce, aquece a Terra, venta, chove relampeja Eu sou o salário humilde da cidade e do sertão E abraça neste chão toda a gente sertaneja

A inflação foi respondendo no meio de uma risada Sua ficha, seu salário não me assusta em quase nada Agora me dá licença eu preciso ir adiante Vou indo com meu cortejo pra negociata importante O salário disse a ela todo cheio de razão Eu nasci pra ser humilde e não mudo de opinião Nunca fui inconformado como a senhora falou Saiba você que eu sou o equilíbrio da nação

As minhas economias que a tempo eu tinha guardado Se as coisas se apertassem eu estava preparado Porém veio meu compadre um tanto desesperado O meu coração sentiu quando o compadre me pediu Meu dinheiro emprestado

Com prazo de 30 dias o dinheiro eu empresto Para evitar que seu nome seja sujo no protesto Amigo é pra essas horas, a gente faz o que pode Isso é coisa provisória, será nossa promissória Sua palavra e seu bigode

Passaram os 30 dias, o nosso prazo venceu Esperei o meu compadre, ele não apareceu Eu fui lá na casa dele, mas quando ele me atendeu Eu falei do meu dinheiro, e para meu desespero Ele quase me bateu

— O que que o senhor quer aqui em casa compadre

— Eu quero receber aqueles 2 mil que eu te emprestei

— Ninguém tá pagando ninguém, não vou pagar o senhor

— Mas quem não paga, compadre, é caloteiro

— Caloteiro não, compadre, eu sou inadimplente

— Inadimplente, inadimplente não sei o que que é não, mas eu sei o que é sem vergonha

— E o senhor é um velho retardado, some daqui arriteiro

— Fica de esmola pro senhor

Eu perdi o meu dinheiro, perdi o amigo também Agora de hoje em diante não empresto um vintém Me serviu como um exemplo, foi meu derradeiro tranco Quem estiver apertado, quiser dinheiro emprestado Que vá emprestar no banco

Outra versão sobre Dinheiro Emprestado — escute e se divirta com os diálogos:

Candidato Caipira
Dino Franco e Moura

Vou embora pra cidade, chega de viver no mato
Não quero mais conviver com este povo pacato
Um velho sonho que eu tenho quero transformar num fato
Vou deixar de ser honesto, sair do anonimato
Pra mostrar que estou vivo a um cargo eletivo
Eu quero ser candidato

Com minha cara de pau, vou entrando de gaiato
Fazendo minha campanha, espalhando o meu retrato
Se eu ganhar a presidência vai ser o maior barato
Que se danem os operários e os caipiras lá do mato
Cada um tem sua vida, com essa gente sofrida
Eu não quero mais contato

Quero ser o presidente todo cheio de aparatos
Ambicioso como Judas, covarde como Pilatos
Depois de encher a barriga eu quero quebrar o prato
Quero frequentar banquetes, passear de avião a jato
Eu sendo rei do terreiro, vou cantar no meu poleiro
Quem fica no chão é pato

Vou fazer do meu governo um exemplo de status
Quero muita mordomia, inflação eu não combato
Pouco importa se a pobreza não possa comprar sapatos
Vou punir o cidadão que discordar dos meus atos
A coisa que mais anseio é sair de bolso cheio
No final do meu mandato

Já os ritmos nordestinos eu conhecia mais, mas adorei as escolhas dos alunos:

Eu sou humilde, honesto e trabalhador Igual a maioria do povo brasileiro Que dá um duro pra sustentar a familia E quando chega o fim do mês ver a cor do dinheiro É aluguel, é água luz e telefone E o que me resta não dá pra fazer a feira Me chega conta toda hora todo dia E pra sair dessa agonia eu vou sair na bebedeira Ai meu Deus do céu Como é que eu pago as minhas contas Ai meu Deus do céu Como é que eu fico sem dever?

Chega a cobrança do colégio dos meninos Segunda-feira tenho cheque pra cobrir O telefone eu já nem vou mais atender Já começo a me esconder e boto a mulher pra mentir Ai meu Deus do céu Como é que eu pago as minhas contas Ai meu Deus do céu Como é que eu fico sem dever?

Eu não tenho dinheiro Onde está o dinheiro? Viajando num trem da central Conversando com um companheiro Meu negócio anda mal meu amigo Onde está o dinheiro? Ele disse que também não sabe Desconhece o seu paradeiro Até dentro do trem, o assunto é dinheiro! Eu não tenho dinheiro Onde está o dinheiro?

 

Para finalizar esses exemplos, veja/escute um rock brasileiro com tema econômico:

Sem trabalho eu não sou nada, não tenho dignidade Não sinto o meu valor, não tenho identidade Mas o que eu tenho, é só um emprego E um salário miserável, eu tenho o meu ofício Que me cansa de verdade Tem gente que não tem nada E outros que tem mais do que precisam Tem gente que não quer saber de trabalhar

Mas quando chega o fim do dia Eu só penso em descansar E voltar pra casa pros teus braços Quem sabe esquecer um pouco De todo o meu cansaço Nossa vida não é boa E nem podemos reclamar

Sei que existe injustiça, eu sei o que acontece Tenho medo da polícia, eu sei o que acontece Se você não segue as ordens, se você não obedece E não suporta o sofrimento, está destinado a miséria Mas isso eu não aceito, eu sei o que acontece Mas isso eu não aceito, eu sei o que acontece

Quando chega o fim do dia Eu só penso em descansar E voltar pra casa pros teus braços Quem sabe esquecer um pouco Do pouco que não temos Quem sabe esquecer um pouco De tudo que não sabemos


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Evolução da Indústria Musical: Revolução do Streaming

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O Spotify, empresa provedora de serviço de transmissão de música, viu crescer de forma explosiva o número de usuários pagos no ano de 2016, mas também dobrou o tamanho da sua perda líquida. A companhia terá de pagar um mínimo de 2 bilhões de euros (US$ 2,23 bilhões) em royalties pela transmissão das músicas nos próximos dois anos, devido a um acordo fechado recentemente.

Como outras companhias de mídia, como a Netflix, o Spotify investiu em acordos com provedores de conteúdo e criadores para atrair ouvintes e assinantes. A empresa está se preparando para abrir o capital neste ano. Os potenciais investidores acompanharão de perto o crescimento de usuários totais e pagos, pois esse número revela um potencial de rentabilidade.

A receita em 2016 subiu 52%, para 2,93 bilhões de euros. O Spotify registrou no período um prejuízo líquido de 539,2 milhões de euros, ante um prejuízo de 231,4 milhões de euros em 2015. A maior parte do prejuízo foi atribuída ao aumento dos custos financeiros.

A companhia informou que o total de assinantes cresceu 38%, para 126 milhões, enquanto o grupo de pessoas que pagam pelo serviço premium cresceu 71%, para 48 milhões. O serviço de transmissão de música gera quase 90% de sua receita de assinaturas, ainda que os assinantes representem a minoria dos usuários. O serviço gratuito é suportado por anúncios.

A indústria de música viu sua receita global cair 60% desde 2000. Ela esperava que os serviços de transmissão paga cresceriam o suficiente para compensar o declínio nas vendas de CD e download de músicas. Nos últimos anos, o número crescente de serviços de transmissão competem pelos ouvintes pagantes, incluindo Pandora Media e Apple Music. Em 2016, o serviço de transmissão respondeu por 51% da receita do mercado de música, que cresceu mais de 11% no período, para US$ 7,7 bilhões, de acordo com a Associação das Gravadoras dos EUA.

Pois bem, diante desse intrigante assunto da Economia Criativa contemporânea, minha ex-aluna Júlia Gallant Ferreira escreveu uma excelente monografia sob orientação do meu colega Márcio Wohlers de Almeida (clique para download): Júlia Gallant – Evolução da Indústria Musical – Revolução do Streaming. Campinas, IE-UNICAMP, 2017.

Ela demonstrou notável iniciativa e capacidade de pesquisa ao tratar de tema inédito na literatura acadêmica. Na minha participação na banca de julgamento, expressei meus votos para ela continuar a pesquisa na pós-graduação, embora eu ache que seu talento provavelmente será disputado por quem a conhecer no mercado profissional.

Edito abaixo o resumo feito por ela em sua primeira versão.

A popularização e disseminação de serviços de streaming teve impactos significativos:

  1. na estrutura do mercado musical,
  2. na remuneração a artistas e
  3. nas receitas da indústria musical.

Após as mudanças de paradigma e grande foco em inovação e investimento, a indústria musical nos últimos dois anos passou a retomar seu crescimento após mais de uma década de declínio. Configura um cenário em que mais do que tentar se adaptar à Era Digital, passou em certos sentidos a liderá-la.

A revolução da indústria musical, nas últimas duas décadas, são significativas, passando de:

  1. o formato físico para o digital;
  2. de downloads e o aumento da pirataria para o streaming; e
  3. da posse para acesso temporário.

A música deixa de ser comprada em meio físico, como um objeto mercantil, e passa a ser comercializada como um serviço. A popularização do streaming marca também a desassociação entre o formato e o suporte, após anos caminhando juntos e sendo comercializados pelas mesmas empresas de grande porte.

O modelo de negócios baseado em propagandas e sem custo de mensalidade, como é o caso de alguns serviços como o Spotify e Pandora, também representou uma grande mudança no mercado musical e para os ouvintes. Oferece, sem custo, acesso a um catálogo com dezenas de milhões de títulos, socializando esse consumo, estando disponíveis as demais condições de acesso como banda larga para web.

Nos últimos anos, diversos outros serviços tais como o Soundcloud, baseados em diferentes modelos de negócios, vem ganhando popularidade e alterando significativamente a maneira como a música é distribuída, consumida e também produzida. O enorme catálogo musical de todo o mundo e de todos os tempos está agora mais acessível, com menos custos, e também com mais gêneros musicais disseminados e passíveis de experimentações.

No entanto, isso representa também uma mudança na forma que a música é remunerada, com valores menores sendo pagos, porém, de forma mais contínua e prolongada. As taxas são menores, mas a massa de lucro é muito maior, pois há ganhos também de escala ao se alcançar novos e distantes mercados.

Em um comunicado oficial, o Spotify reportou um pagamento médio “por stream” entre $0.006 e $0.0084 dólares, combinando-se atividades de todos os níveis do serviço. Os pagamentos gerados pela versão premium são consideravelmente maiores.

A adoção da modalidade gratuita e seus pagamentos significativamente menores vem gerando desconforto entre artistas mundialmente famosos. Eles não acreditam que a arte está sendo reconhecida e remunerada adequadamente, passando em alguns casos até a retirar suas músicas dos catálogos desses serviços. Esse também parece ser o posicionamento da Apple, que ao lançar seu serviço Apple Music, somente na versão paga, tentou fazer com as gravadoras retirassem seu conteúdo da versão gratuita de demais serviços.

A resposta do Spotify vem na sequência: a versão “freemium” existe apenas por ser a única maneira de aumentar o número de usuários da versão paga, em uma taxa de conversão de aproximadamente 25%. Ao final de 2016, a empresa anunciou 126 milhões de usuários ativos por mês, sendo 48 milhões desses assinantes da versão paga, que geraram €2.64 bilhões de receitas, o equivalente a 89.9% da receita total vinda de menos de 40% dos usuários. O serviço também defende estar tendo impactos significativos na pirataria ao prover uma alternativa gratuita e baseada em comodidade.

A empresa vem apresentando prejuízos sistemáticos nos últimos anos embora sua receita venha também aumentando, o que levanta dúvidas sobre a sustentabilidade do modelo por ser esse o resultado do maior serviço do tipo no mercado. O modelo premium é claramente preferível, porém ainda gera estranhamento em usuários que não estão acostumados a pagarem cerca de 100 dólares por ano com música.

A expectativa do serviço é que a experiência com a versão gratuita convença os usuários dos benefícios do serviço. A Economia Comportamental (ou Neuromarketing) chama isso de viés heurístico da dotação (ou do teste-driver): quem experimenta um objeto, que o agrada, cria uma relação sentimental com ele que dificulta seu abandono.

Esses resultados negativos de serviços como Pandora, Spotify e Deezer podem ser devido ao grande ritmo de expansão em novos mercados e aquisição de conteúdo, com grandes gastos fixos de instalação. O modelo apresentará economias de escala conforme novos usuários aderirem ao serviço, de forma que nos próximos períodos já deverá ser possível observar o início de uma reversão nos principais “players” do mercado. Ou então esses prejuízos sistemáticos podem indicar uma falha estrutural e uma configuração não rentável da estratégia de algumas empresas, de forma que os serviços teriam que rever seus modelos de negócios, em especial a versão “freemium”.

Os números revelam o resultado da mudança de paradigma. O últimos valores divulgados pelo Spotify em seu site referentes ao primeiro semestre de 2017 registram mais 140 milhões de usuários ativos, 50 milhões destes na versão paga, mais de 30 milhões de canções e mais de 2 bilhões de playlists criadas.

Playlists curadas especialmente para os usuários através do uso de big data e outros algoritmos computacionais, como é o caso da “Discover Weekly” [Descobertas da Semana] do Spotify, são uma tendência de mercado. Essa crescente tendência levanta algumas questões, como de que maneira essas recomendações através de curadorias a partir de bases de dados, análises de consumo e algoritmos estão definindo os gostos musicais dos usuários, o que leva a um paradoxo que frente à um vasto e praticamente ilimitado catálogo, as recomendações tendem a se afunilar.

Eric Harvey, em seu editorial “Station to Station”, levanta a questão: “o capitalismo especulativo deveria realmente ser a força motriz de inovações de larga escala na indústria musical, intrinsicamente cultural e artístisca, ou há alguma outra alternativa factível?” Indo mais além, coloca “are we living in a technological golden age of creative possibility, cross-cultural communication, and sheer abundance, or a surveillance state controlled by privately-held brands promising endless access at the expense of imperceptible control?” (HARVEY, 2017).

Nesse novo modelo customizado, ao contrário das rádios tradicionais, cujas transmissões são baseadas em um modelo de “um-para-muitos”, as plataformas de streaming planejam mirar nos gostos exclusivos de cada indivíduo ouvinte. O que antes costumava ser uma questão de persuasão, torna-se um problema de previsão (HARVEY, 2017).

No que tange as preocupações quanto às implicações do modelo, o pagamento de royalties aos artistas não é a única fonte de problema. Muitos questionam a tendência contrária à posse do arquivo da música, com as canções todas baseadas em uma nuvem remota sem garantia ou segurança para o usuário de por quanto tempo aquilo estará disponível. Parece ser eterna a desconfiança humana quanto aos avanços tecnológicos…

Uma utilização de streaming de maneira automática, estável e confiável depende de uma conexão e redes virtuais que a comportem. De acordo com um relatório publicado pela empresa Sandvine, no ano de 2016, na América do Norte, 71% do uso de banda em redes fixas proveio do uso de serviços de streaming de áudio e vídeo. No caso da América Latina, a parcela referente ao uso em redes fixas de streaming de áudio e vídeo foi de 46,21%, sendo o principal uso devido ao YouTube, com 28,5% do total.

De acordo com uma publicação da Telebrasil, o Brasil já conta com mais de cinco mil municípios com internet móvel, sendo que mais de 98% da população já mora em cidades com redes 3G e que as redes 4G já chegam a 1.925 municípios.

Em meio a essa competição, serviços de streaming como a Apple e o Tidal passam a apostar em parcerias e lançamentos exclusivos, de forma a tentar fidelizar seus usuários e trazer novos. Essa tática, no entanto, tem sido encarada com ceticismo, uma vez que levanta a questão de se os usuários estariam dispostos a pagar por mais de um serviço para ter acesso ao conteúdo desejado. A resposta provável é não. A falta de uma instituição única de um serviço dominante ou de diversos serviços, porém com conteúdo homogêneo, possivelmente levaria a uma volta à pirataria daqueles usuários inclinados a tal.

Embora ainda haja algumas questões quanto ao futuro do streaming no que refere-se à remuneração dos artistas e das implicações para os usuários, a influência e os impactos da popularização deste nos resultados da indústria musical foram marcantes. Em especial nos últimos dois anos, ocorreram marcos significativos:

  • o ano de 2015 foi o primeiro em que a música digital vendeu mais que as versões física e marcou a retomada do crescimento de receitas após mais de uma década de declínio;
  • o ano de 2016 representou a primeira vez em que se observou mais assinantes pagantes do que usuários das versões gratuitas e a primeira vez em que os serviços de streaming de música registraram mais assinantes pagantes que a Netflix.

De acordo com o relatório “Global Music Report” de 2017 produzido pela Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), a indústria global de música gravada tem visto um crescimento modesto, mas sustentável, após mais de uma década de declínio significativo. Dessa forma, o streaming configura agora a maioria dos ganhos, sendo 59% das receitas digitais, pela primeira vez acima da metade do total da receita de música gravada.

O que quer que aconteça, a música tem sido parte e continuará a ter um papel importante na vida dos indivíduos, como ocorre há séculos. Embora as formas de consumo e oferta venham se alterando e possam voltar a se modificar, nossa necessidade de expressão sentimental e/ou social, conforto, conexão e representatividade encontrará uma forma de manter uma canção sempre por perto.

Por fim vale especular como será o futuro da música. Será marcada por uma transformação da prática artística? Haverá um ambiente de troca e aprendizagem mútua em rede?  Será possível maior relevância da pratica coletiva? Essa é uma agenda de pesquisa que a  monografia apresenta.


Do Country ao Caipira: Percurso de Conhecimento e Empatia

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Fui aluno bolsista, escolhido por concurso e com exigência de mérito para manter a bolsa de estudos, durante minha graduação na FACE-UFMG. Inesquecível foi receber a primeira bolsa e correr à loja para comprar meu primeiro disco: Willy and the Poor Boys, lançado em 1969 pela banda de country rock californiana Creedence Clearwater Revival.

Gostava dessa fusão do rock com a música country, um verdadeiro revival, pois o Rock and Roll, antecedente do rock, tinha nascido de uma combinação do Rhythm and Blues com a música Country and Western, uma fusão evidente no rockabilly dos anos 1950. Anotei, então, meu primeiro (e último) “modelo de economista”: R&R = R&B + C&W. 🙂

Essa paixão pelo rock me despertou o desejo de conhecer suas raízes. Quando o blues rural afrodescendente, em versão urbana com guitarras elétricas, reuniu-se com a música rural dos brancos pobres e/ou cowboys do Oeste, teve início uma revolução nos costumes – e na tolerância étnica. Essa miscigenação resultou em música popular norte-americana tão boa quanto a brasileira, pois ambas compartilharam as mesmas raízes nos ritmos africanos.

Rock se referia a sacudir, perturbar ou incitar. O verbo roll era uma metáfora usual que significava ter relações sexuais. Pela década de 1940, o termo foi usado com duplo sentido, referindo-se tanto a dançar quanto ao ato sexual.

Tudo isso era excitante para um pós-adolescente buscar mais conhecimento. A folk music cantada por Bob Dylan, por exemplo, motivou-me a conhecer seu inspirador, Woody Guthrie (1912-1967). Seu legado musical é composto por centenas de músicas e baladas que abrangem muitos temas políticos. Sua guitarra registrava o dístico “This machine kills fascists”.

Guthrie viajou com trabalhadores migrantes expulsos da terra. Suas canções contavam experiências sofridas durante a Grande Depressão. Era reconhecido como o trovador que cooperava para a organização do sindicalismo, cantando as lutas sociais pela conquista da cidadania. Foi classificado como comunista pelos conservadores norte-americanos, mas nunca se tornou membro do Partido Comunista dos Estados Unidos.

Daí avancei em pesquisa, querendo conhecer todos os gêneros musicais (jazz, blues, soul, gospel, reggae, dub, ska, etc.), em época que o acesso ao estoque era difícil e caro. Era a Era do Vinil, A.CD, isto é, Antes do CD. Não poderia sequer sonhar que viveria a Era Digital com o barateamento do acesso a todo o acervo mundial de músicas pelo streaming. Hoje, facilmente, organizo playlists com músicas africanas, judaicas ou árabes. Os 126 milhões de assinantes de um streaming têm mais de dois bilhões delas.

Lembrei-me de toda essa prazerosa experiência pessoal para despertar também “o sabor de saber” nos meus alunos. Resolvi, no semestre letivo findo, motivar o conhecimento das interpretações do Brasil, entremeando a literatura histórica com a nossa cultura musical. As cinebiografias recentes (Vinicius, Chico, Raul, Tropicália, etc.) seriam ótimas motivações para apresentar os contextos socioculturais, econômicos e políticos das décadas passadas, anteriores ao nascimento dos estudantes de hoje.

Fiquei feliz com a avaliação oral e escrita que os alunos fizeram da nova experiência didática no curso Economia no Cinema: Cidadania e Cultura Brasileira. Utilizaram o conhecimento sobre as interpretações clássicas a respeito do Brasil para escrever um trabalho sobre Economia em Letras de Músicas, inspirado pela leitura da trilogia de Franklin Martins (Quem Foi Que Inventou o Brasil? A música popular conta a história da República de 1902 a 2002) e a audição da playlist que elaborei no Spotify (12142604272), denominada MPBE: Músicas Populares Brasileiras sobre Economia. Postei as letras no meu blog pessoal.

Mas eles encontraram muito mais letras com temas econômicos em quase todos os gêneros musicais cantados pelo povo brasileiro. Muitas variantes abrigadas na chamada MPB (Música Popular Brasileira) puderam ser pesquisadas, classificadas e analisadas, seja por gêneros musicais, seja por temas.

Para pesquisa e apresentação áudio-oral do trabalho, a turma foi dividida em cinco grupos para uma pesquisa que simulava desafios que encontrarão na vida profissional: dos sambas à bossa-nova; das marchinhas de carnaval às músicas de protestos; da Tropicália à MPB; das canções bregas, regionalistas e sertanejas aos rocks brasileiros; dos raps aos funks.

Além de análise por gêneros musicais, classificaram os temas econômicos abordados que forneceram inspiração aos compositores. Eles analisaram se os compositores estiveram atentos aos principais eventos macroeconômicos ou se expressaram apenas a vida econômica pessoal. Concluíram que a MPBE pode ser escutada como uma expressão popular de reais problemas socioeconômicos.

Desde os primórdios, os letristas buscaram fazer a crônica musical de eventos, costumes, novidades, modismos e reviravoltas da vida nacional, de um modo geral – e da cena política e econômica, em particular. Chegamos à conclusão que nossa música segue fazendo a crônica da vida econômica nacional, expressando o sentimento popular sobre dinheiro, salário, dívida, vagabundagem (referência a desemprego), carestia (idem para inflação), desigualdade e criminalidade, ostentação pela mobilidade social.

Os estudantes foram criativos e demonstraram a capacidade analítica dessa expressão cultural. Um debate que surgiu, durante os seminários, foi a respeito do rótulo MPB. Não seria um “guarda-chuva” muito amplo, sob o qual quase tudo é classificado?

Contra argumentei, aliás, como o Chico disse em sua cinebiografia, que a Bossa Nova e a MPB das Músicas de Protesto dos anos 60 eram escutadas por uma vanguarda. Eu as aprecio muito até hoje. Tentei provar meu argumento sobre a preferência popular ao exibir o excelente documentário muito apreciado pelos alunos: Vou Rifar Meu Coração.

Depois disso, houve certo consenso de que, desde a música brega, passando pela música caipira, até os raps e os funks (“ostentação”), nesses gêneros musicais há uma expressão emocional que fala diretamente ao coração. Não há metáforas indiretas ou poesia academicista. É direto ao ponto! Dedo na ferida!

Fiquei feliz, mais uma vez, por aprender ensinando. Vários alunos comentaram que, depois deste curso, passarão a assistir filmes e escutar músicas de outra maneira, apreciando suas mensagens. Disseram-me que, antes, não davam bola para filmes brasileiros e tinham preconceitos em relação a diversos gêneros musicais populares. Aprenderam desde já, assim como aprendi ao longo da vida, a ter empatia com os problemas econômicos de pessoas menos favorecidas.

Para me despir de vez de preconceitos esnobes, tomo o exemplo dado pelos estudantes de apreço por um gênero musical que eu, praticamente, não conhecia — a da música caipira. Houve uma ótima apresentação, aplaudida espontaneamente pelos colegas, sobre as canções bregas, regionalistas e sertanejas. Humildemente, aprendi que não é coerente apreciar country music e depreciar a música caipira, no que se refere ao seu conteúdo político e econômico, cantada por verdadeiros menestréis.

Finalizo com o exemplo abaixo de música cantada pela dupla caipira Dino Franco e Moraí: A Inflação e o Salário.

A inflação e o salário se encontraram de repente / O salário cabisbaixo, a inflação toda imponente / Criticando a humildade foi dizendo malcriada / Seu baixinho inconformado você não está com nada / O salário envergonhado foi dizendo bem cortês / Afinal quem é a senhora, pra que tanta estupidez / A inflação muito arrogante respondeu toda orgulhosa / Sou a força poderosa que arrasa com vocês

Eu sou filha do dinheiro ganho desonestamente / Sou neta do juro alto, do agiota sou parente / Eu sou prima do desfalque, do luxo desnecessário / Ajudar ao semelhante pra mim é coisa de otário / Dificulto a prestação que aumenta sem piedade / Eu acelero a ganância e outras barbaridades / Quem esbanja do meu lado sempre tem aceitação / Sou a famosa inflação afligindo a sociedade

O salário respondeu você é cheia de trama / Estou muito revoltado com a sua grande fama / A senhora é responsável por um sucesso aparente / E também por sua culpa veio miséria pra gente / Eu sou o pobre salário irmão da renda precária / O meu pai é o suor da nobre classe operária / Minha mãe é a lavoura de milho, arroz e feijão / Ouça bem, dona inflação, a senhora é mercenária

Vê se você vai andando sua bruxa descarada / Vive ainda nesta terra gente bem intencionada / Deixe de rondar meu povo que trabalha honestamente / Saiba que sua presença esta sendo inconveniente / Não existe neste mundo o que Deus do céu não veja / O Sol nasce, aquece a Terra, venta, chove relampeja / Eu sou o salário humilde da cidade e do sertão / E abraça neste chão toda a gente sertaneja

A inflação foi respondendo no meio de uma risada / Sua ficha, seu salário não me assusta em quase nada / Agora me dá licença eu preciso ir adiante / Vou indo com meu cortejo pra negociata importante / O salário disse a ela todo cheio de razão / Eu nasci pra ser humilde e não mudo de opinião / Nunca fui inconformado como a senhora falou / Saiba você que eu sou o equilíbrio da nação

Obs.: artigo escrito para ser postado no Portal do IE-UNICAMP



Marchinhas do Carnaval 2017

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  De Brocha na TV / 50 Tons de Cinza

Pinto por Cima

Solta o Cano

Não Enche o Saco do Chico


Percursos Musicais entre Espaços e Tempos

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Fiquei tão satisfeito com esse feito, que já estou com saudade de “quando eu era professor”, nesse novo ano pré-aposentadoria. Consegui Licença-Prêmio (“privilégio” depois de uma vida dedicada a ensinar e aprender, passando por todos os concursos públicos com títulos e publicações) e férias acumuladas para enfrentar novos desafios: dar um acabamento literário a três livros que montei com base em +/- 300 artigos pessoais que aqui postei (+/- 600 páginas), dois livros do meu Memorial para Titular (+/- 250 páginas), e minha Cartilha de Finanças Comportamentais (+/- 100 páginas). Também quero repetir a experiência de EaD, inédita para mim antes de gravar um curso sobre “Bancos Públicos no Brasil”, agora sobre o tema Finanças dos Trabalhadores. Além disso, quero ter mais tempo para atender convites para o debate público no próximo ano eleitoral. Só.

Foi com satisfação que obtive novas informações propiciadas por caderno especial (FSP, 15/12/17) com o mapeamento da popularidade dos diversos gêneros musicais no Brasil (veja figuras acima). Expressa também meu percurso no tempo e entre espaços.

Eu era adolescente quando morava em BH nos anos 60: adorava rock e blues. Apreciei bossa-nova e MPB no Rio de Janeiro. Passei a gostar mais de reggae e dub em férias na Lagoa da Conceição/Praia Mole de Florianópolis, embora já o escutasse quando visitei Belém do Pará e São Luís do Maranhão. Tenho grande satisfação tanto com o humor quanto com o forró nordestino. Gostava de escutar novos(as) cantores(as) de jazz em Brasília. O funk paulista conheci durante o curso citado. Depois de 32 anos de Campinas, finalmente, fiz uma “desconstrução” dos meus preconceitos em relação à música caipira, mas ainda não cheguei a tanto “populismo” 🙂 : conhecer o “sertanejo universitário” e o “feminejo”. Outro desafio é escutar a mistura latino-americana/brasileira do reggaeton.

Esse percurso é lógico no espaço e emocional no tempo! Eu gosto de todos os gêneros de raízes africanas que misturaram seus ritmos com músicas europeias! Eu gosto mesmo é da mistura das etnias humanas sem discriminação!

Gustavo Alonso é historiador e autor do livro “Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira” (ed. Civilização Brasileira, 2015). Escreveu um artigo interessante para o Especial da Folha de SP (15.dez.2017) que mapeou a popularidade regional dos distintos gêneros musicais através da audiência do YouTube. Pós-caipira, “o Sertanejo é a face recente da antropofagia das massas” no Brasil. Reproduzo-o abaixo.

“A história da música sertaneja é um dos capítulos da história da antropofagia brasileira. Assim como a antropofagia andradiana dos anos 1920 e a tropicalista nos anos 1960, a música sertaneja vem incorporando a modernidade e construindo uma brasilidade múltipla a partir dos intercâmbios culturais.

De forma mais abrangente, embora simplificada e, não obstante suas limitações e diferenças, transformou a afetividade de milhões de brasileiros de todos estratos sociais.

Desde a primeira gravação em 1929 feita por Cornélio Pires, a música sertaneja foi se transformando, indo além de suas fronteiras originais, estados cuja colonização foi de bandeirantes paulistas (SP, MG, PR, MS, MT e GO).

A atual noção de música sertaneja surgiu nos anos 1950, quando gêneros estrangeiros entraram de forma sistemática na música rural brasileira. Um dos primeiros importados foi a guarânia paraguaia. O bolero e rancheira mexicanos e o chamamé argentino também entraram.

Desde a década de 1950, a música sertaneja foi acusada de trair as tradições rurais brasileiras por importações estéticas e modismos. Esse discurso perdura a cada geração que surge e inova esteticamente o gênero. A partir daí, dois polos surgiram na música rural de origem paulista:

  1. os caipiras e
  2. os sertanejos.

Passou-se a definir como sertanejos aqueles do meio musical rural que viam com bons olhos a importações de gêneros, estéticas, instrumentos e modas alheias à tradição.

Do outro lado, os caipiras negavam a validade dessas transformações e, animados por um viés folclorista e regionalista, queriam preservar as tradições da música rural, mantendo instrumentos como a viola caipira e seus ritmos originais como o cateretê, cururu e modas de viola.

Depois vieram o rock e as baladas em fins dos anos 1960. A dupla Leo Canhoto e Robertinho, influenciada por Beatles e Jovem Guarda, foi pioneira em pôr baixo, bateria, teclados e guitarras na música sertaneja. A cada nova incorporação, mais popularidade, suplantando os caipiras.

A partir dos anos 1980, a música brega e a música country americana também adentraram a música sertaneja.

Na virada dos anos 1990, a música sertaneja conseguiu sucesso nacional com Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo e Zezé Di Camargo e Luciano. Foram amados e odiados em igual proporção afetiva, embora não numérica.

Em 2005, surgiu uma nova geração, os sertanejos universitários. Baseados na estética musical do “acústico MTV”, chave nos anos 1990 e 2000, essa estética trocou a guitarra pelo violão de cordas de aço e o teclado pelo acordeom.

É possível notar pelo menos três temáticas bastante claras nas letras do sertanejo universitário:

1) o otimismo amoroso, que se contrapôs a estética da música “de corno” melodramática das gerações anteriores;

2) a apologia da festa; e

3) a defesa da furtividade das relações amorosas.

O sucesso mundial de “Ai Se Eu te Pego” ilustra bem as propostas. Essas temáticas se aliaram aos tradicionais melodramas sertanejos, que cantam a distância entre amantes, a atual “sofrência”.

Desde 2015, com a aceitação crescente da participação das mulheres neste mercado, vem se instaurando nova mudança na estética sertaneja.

Artistas como Marília Mendonça, Simone e Simaria e Maiara e Maraisa vêm construindo o chamado feminejo, tornando o gênero, tradicionalmente produzido por homens, mais inclusivo.

Com mais debate cultural massivo, o feminismo pode crescer mais, a despeito das possíveis simplificações.

Pode parecer que a música sertaneja esteja vivendo um boom momentâneo, moda de verão. Este espanto é recorrente nas elites intelectuais nacionais, que se deparam com tamanho sucesso de tempos em tempos.

Foi assim com Nelson Pereira dos Santos, o pai do cinema novo, que para explicar seu espanto resolveu filmar “Estrada da Vida” em 1980, uma cinebiografia de Milionário e José Rico. Foi assim nos anos 1990, quando muitos se questionaram sobre a nacionalização da música sertaneja e, para depreciá-la, acusaram-na de “trilha sonora da Era Collor”.

Nos anos 2000 muitos se espantaram com o sucesso mundial de “Ai Se Eu te Pego”, algo que até então apenas “Garota de Ipanema” havia conseguido em igual dimensão.

Hoje, grande parte da imprensa está interessada no feminejo. Há um motivo contextual a explicar o fenômeno: uma grande sede da sociedade por debates de gênero e empoderamento feminino.

Mas não se pode esquecer que o que explica os constantes ápices da música sertaneja é uma longa cadeia produtiva que não desaparece de geração em geração, apenas é rearticulada (e alargada) pela antropofagia pop-massiva.

A cada rearticulação novos valores aparecem, nomes surgem, questões da atualidade massiva são incorporadas.

É preciso, assim, estudar o pop massivo a sério, entender suas potencialidades e questões, para além do achincalhe que nossa intelectualidade brasileira gosta de proferir com frequência.

Influenciada de todos os lados, a música sertaneja mistura de guarânia a forró, arrocha a funk, melodrama sofrência a louvação do indivíduo. Tudo cabe na boca antropofágica massiva do sertanejo, epíteto do que se tornou grande amálgama de gêneros da geleia geral cultural massiva brasileira.”

Taí, gostei! Bom artigo!

Leia mais (dê um Google com o título e baixe a Tese de Doutoramento):

Marchinha do Boçalnaro

Remix do Golpe: Contragolpe com Marchinhas de Carnaval

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Gregório Matos, gentilmente, me enviou versões de vinte marchinhas clássicas — aquelas que todo mundo sabe de cor. São sátiras ao Judiciário, à Lava-Jato, ao Congresso, ao Supremo, à imprensa, aos tucanos, aos americanos, à classe média trouxa que se deixou usar, aos fascistas…

Porque a arte popular pode ser revolucionáriaaté mais que a política.

Nota: sempre que a sílaba tônica mudar de posição em relação à letra original da marchinha, esta será destacada. Por exemplo, no primeiro verso da marchinha Aurora (SE você fosse sincera…), o “Se” é a sílaba tônica. Na paródia, a sílaba tônica passa para a última palavra (“cega”).

AURORA

Se você fosse mesmo CEGA
Ô ô ô ô, Justiça
Sacava o tanto que escorrega
Ô ô ô ô, Justiça

Se você fosse mesmo cega
Ô ô ô ô, Justiça
Sacava o tanto que escorrega
Ô ô ô ô, Justiça

O pobre e o rico você trata diferente
O amigo e o desafeto um você livra o outro prende
Agora não me venha
Dar uma de castiça
Ô ô ô ô, Justiça!

Se você fosse mesmo cega (…)

RETRATO DO VELHO

Bota o retrato do Lula outra vez
Bota no mesmo lugar
Bota o retrato do Lula outra vez
Bota no mesmo lugar
No sorriso do velhinho
A gente volta a sonhar
No sorriso do velhinho
A gente volta a sonhar

Bota o retrato do Lula outra vez
Bota no mesmo lugar
Bota o retrato do Lula outra vez
Bota no mesmo lugar
No sorriso do velhinho
A gente volta a sonhar
No sorriso do velhinho
A gente volta a sonhar

Eu já botei o meu
E tu? Não vais botar?
Eu já enfeitei o meu
E tu? Vais enfeitar?
No sorriso do velhinho
A gente volta a sonhar
No sorriso do velhinho
A gente volta a sonhar

Bota o retrato do Lula outra vez (…)

 


ALAH-LA-ÔAlah-la-ô ôôô ôôô
Mas que caô ôôô ôôô
Diziam que agora ninguém ia roubar mais
Mas o que se queria era entregar a Petrobras
Alah-la-ô ôôô ôôô
Mas que caô ôôô ôôôAlah-la-ô ôôô ôôô
Mas que caô ôôô ôôô
Diziam que agora ninguém ia roubar mais
Mas o que se queria era entregar a Petrobras
Alah-la-ô ôôô ôôô
Mas que caô ôôô ôôôFomos a Curitiba
Para louvar os que vieram nos salvar
Caô! Caô! Caô, era caô…
Falar de corrupção
Quem mandou foi Tio Sam
Caô, era caô

Alah-la-ô ôôô ôôô (…)

OLHA A CABELEIRA DO ZEZÉ

Olha o privilégio do juiz
Me diz se condiz
Me diz se condiz

Olha o privilégio do juiz
Me diz se condiz
Me diz se condiz

É mais de cem mil de salário
Tá cheio de penduricalho
De férias dá quase três meses
Não presta conta pra ninguém
Corta a mamata dele!
Corta a mamata dele!
Corta a mamata dele!
Corta a mamata dele!

Olha o privilégio do juiz (…)

MULATA BOSSA NOVA

Batendo na panela
Deu um tiro no pé
A classe média
Iê iê iê iê iê iê iê
Mas que tragédia

Batendo na panela
Deu um tiro no pé
A classe média
Iê iê iê iê iê iê iê
Mas que tragédia

A renda caiu
Deve mais a cada dia
E vai perder também
A aposentadoria

Batendo na panela (…)

MAMÃE EU QUERO

Sé Sergio Moro
Sé Sergio Moro
Sergio Moro bora julgar
Condena o Lula
E prende o Lula
E mata o Lula que é pro Lula não ganhar

Sé sé sé sé sé Sergio Moro
Sé Sergio Moro
Sergio Moro bora julgar
Condena o Lula
E prende o Lula
E mata o Lula que é pro Lula não ganhar

Se o Lula volta acaba a privatizaÇÃO
Acaba o velho sonho de voltar com a escravidão
Diz pro Dallagnol montar mais uma acusação
E arruma bem depressa uma nova delação

Sé sé sé sé sé Sergio Moro (…)

Outro exemplo: Na letra original, o verso era “Dorme fiLHInho do meu coração”, e na paródia a sílaba tônica passa para o final do verso (“privatizaÇÃO”).


CACHAÇA NÃO É ÁGUA

Você pensa que o golpe é claro
O golpe não é claro não
O golpe não sai no jornal
Nem passa na televisão

Você pensa que o golpe é claro
O golpe não é claro não
O golpe não sai no jornal
Nem passa na televisão

O golpe entregou PROS juízes
O poder! Do bem! E do mal!
O golpe entreGOU pros gringos
As riquezas do nosso pré-sal

O golpe limitou o governo
A só pagar juro pra rico
Quanto a quem bateu panela
Esses tão pagando mico

Você pensa que o golpe é claro (…)


O TEU CABELO NÃO NEGA

O teu passado não nega, Supremo
O golpe você validou
Você também é golpista, Supremo
Supremo eu quero o teu favor

O teu passado não nega, Supremo
O golpe você validou
Você também é golpista, Supremo
Supremo eu quero o teu favor

A Constituição
Barroso arquivou
Fux quer voltar censura
A Cármem Lúcia agora é global
E Gilmar Mendes livra o amigo no final

O teu passado não nega, Supremo (…)

PIERRÔ APAIXONADO

Um juiz bem deslumbrado
Como alguns procuradores
Foram todos convidados
A estudar lá fora, e com tudo pago

Um juiz bem deslumbrado
Como alguns procuradores
Foram todos convidados
A estudar lá fora, e com tudo pago

O Tio Sam não dá ponTO sem nó
A Petrobras espionou sem dó
E mandou tudo, de mão beijada
Para a justiçada reduzi-la a pó

O Tio Sam tem um gênio ruim
Aos seus pupilos ensinou assim
A não gostar de empresas brasileiras
E pras empreiteiras também foi o fim

Um juiz bem deslumbrado (…)

A JARDINEIRA

Oh classe média, por que estás tão triste
Mas o que foi que te aconteceu
Foi esse golpe ao qual eu disse sim
Mas era treta e virou contra mim
Foi esse golpe ao qual eu disse sim
Mas era treta e virou contra mim

Vem, classe média
Bora acordar
Não fiques triste que você não tá sozinha
Você faz parte do povo
E com ele se caminha
Não fiques triste que você não tá sozinha
Você faz parte do povo
E com ele se caminha

Oh classe média, por que estás tão triste (…)

CIDADE MARAVILHOSA

Congresso mafioso
Cheio de gente vil
Congresso mafioso
Desgraça do meu Brasil

Congresso mafioso
Cheio de gente vil
Congresso mafioso
Desgraça do meu Brasil

Pra Dilma inventaram um pretexto incomum
Se deixassem, botavam ela em cana
O Temer não tiram de jeito nenhum
Mesmo com mala de grana

Congresso mafioso (…)

SASSARICANDO

De-de-delatando
Da cadeia todos querem se livrar
De-de-delatando
Mas só falando o que eles querem escutar
Disseram que se eu delatasse o Lula
A minha pena
O juiz anula

De-de-delatando
Da cadeia todos querem se livrar
De-de-delatando
Mas só falando o que eles querem escutar
Disseram que se eu delatasse o Lula
A minha pena
O juiz anula

Quem delata vai pra casa
Quem não delata não escapa
Então se for pra me livrar
Eu delato até o Papa

De-de-delatando (…)

YES, NÓS TEMOS BANANAS

Yes, nós temos ladrões
Ladrões do dinheiro do povo-ôô
Desde mil e quinhentos, são maus elementos
Que despertam ódio e rancor

Yes, nós temos ladrões
Ladrões do dinheiro do povo-ôô
Desde mil e quinhentos, são maus elementos
Que despertam ódio e rancor

Espalham que o governo que caiu
Foi o mais corrupto do Brasil
Trocaram por outro, que afinal,
É o pior da História mundial

O que é mais raro e bem legal
É fazer o país menos desigual
Mas pra que nada mude, pra sabotar
Pega ladrão é o que se vai gritar

Yes, nós temos ladrões (…)

TURMA DO FUNIL

Chegou a máfia tucana
Todo mundo rouba mas não vão pra Lava-Jato
Ha ha ha ha
Mas não vão pra Lava-Jato
O Serra e o Aécio nem perdem o mandato
Chegou

Chegou a máfia tucana
Todo mundo rouba mas não vão pra Lava-Jato
Ha ha ha ha
Mas não vão pra Lava-Jato
O Serra e o Aécio nem perdem o mandato

A imprensa é velha amiga
E na Justiça ninguém compra essa briga
É conta na Suíça
É mala de milhão
Mas nada deles irem pra prisão
Chegou

Chegou a máfia tucana (…)

MARCHA DO REMADOR (Se a canoa não virar)

Se esse golpe não morrer
Olê, olê, olÊ
O Brasil vai se perder

Se esse golpe não morrer
Olê, olê, olÊ
O Brasil vai se perder

O juiz e o procurador
Têm que ser do povo o servidor
Têm que fugir da televisão
E que resgatar a Constituição

Se esse golpe não morrer
Olê, olê, olê
O Brasil vai se… (claro que aqui as pessoas cantarão outra coisa)

TAÍ

Taí
Eu fiz tudo pra você me acreditar
Oh meu bem, na web tentam te enganar
Só na Globo, só na Globo você pode confiar

Taí
Eu fiz tudo pra você me acreditar
Oh meu bem, na web tentam te enganar
Só na Globo, só na Globo você pode confiar

Te convenci que o Lula era um ladrão
E que roubava pra lá de bilhão
Que no governo botou uma quadrilha
E que essa crise toda é sua filha
Que no governo botou uma quadrilha
E que essa crise toda é sua filha

Tudo que eu digo é verdade pura
Já desde os tempos da ditadura
E agora eu tenho que te convencer
Nem roubo nem crise não vai mais ter
E agora eu tenho que te convencer
Nem roubo nem crise não vai mais ter

Taí
Eu fiz tudo pra você me acreditar (…)

ÍNDIO QUER APITO

Ê ê ê ê ê
O povo quer votar
Se não deixar, pau vai comer

Ê ê ê ê ê
O povo quer votar
Se não deixar, pau vai comer

Tão tentando tirar fora o Lula
Tão forçando a barra, só NÃO vê quem não quer
Mas não se segura a maré
O povo vai votar em quem ele quiser

Ê ê ê ê ê (…)

SACA-ROLHA

Os ódios vão rolar
De quem não gosto eu vou logo rotular
De esquerdopata, de petralha ou feminazi
Mas só na rede
Que eu sei brigar
Deixa os ódios rolar

Os ódios vão rolar
De quem não gosto eu vou logo rotular
De esquerdopata, de petralha ou feminazi
Mas só na rede
Que eu sei brigar

É em Miami que eu quero morar
E só na Globo eu vou acreditar
E pro Brasil melhor governo é ditadura
Pr’eu me dar bem
Pr’eu me dar bem

Os ódios vão rolar (…)

MARCHA DO CORDÃO DA BOLA PRETA

Quem não chora não mama
Segura, juiz
Seu privilégio
Antes que o povo perceba
E essa vaca
Vá pro brejo

Quem não chora não mama
Segura, juiz
Seu privilégio
Antes que o povo perceba
E essa vaca
Vá pro brejo

Você faz que não vê
(você faz que não vê)
Que é um absurdo total
(um absurdo total)
Essa baba embolsar
(essa baba embolsar)
Pra trabalhar num tribunal
Pega muito mal

Quem não chora não mama (…)

ME DÁ UM DINHEIRO AÍ

Ei, você aí
Estan a sangria aí
Estan a sangria aí

Ei, você aí
Estancá a sangria aí
Estancá a sangria aí

Não vai estancar
Não vai mais não
Você vai ver
O grande acordão
Que eu vou fazer com Supremo, com tudo
Botando o Michel no grande acordo nacional

 

Cante maisMarchinha do Boçalnaro

Concurso de Marchinhas Mestre Jonas 2018

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Esperando o Metrô” foi a grande vencedora do concurso de marchinhas Mestre Jonas 2018. O resultado foi divulgado no fim da noite de domingo (4) durante evento realizado no Mercado Distrital do Cruzeiro em Belo Horizonte. O segundo lugar ficou com o “Bloco do Torresmo” e, em terceiro, “A Dancinha da Tornozeleira“.

O grande vencedor levou um prêmio de R$ 5.000; o segundo ficou com R$ 3.000; e o terceiro lugar, R$ 1.500. Cerca de 500 pessoas acompanharam o evento da grande final.

“Das dez Marchinhas que estavam na final, 80% falavam de política. Outras duas, abordaram comportamento, como o de homens e mulheres, ao falar do assédio, por exemplo”, disse o organizador do concurso, Kuru Lima.

Apesar disso, ele avalia que as eleições deste ano não exerceram grande influência no tema das músicas. “Há apenas uma marchinha que faz referência a um político que se declarou candidato a presidente (Jair Bolsonaro). As eleições ainda não estão na ordem do dia, pois o cenário ainda é bem nebuloso”, afirma.

Nesta edição, foram inscritas 93 marchinhas, sendo 73 validadas. Em 2017, foram 141 canções inscritas. Lima diz que o volume foi menor neste ano porque o Carnaval é no início do mês, mais perto das férias.

OUÇA AS MARCHINHAS VENCEDORAS:

1ª – Esperando o Metrô

2º – Bloco do Torresmo 

3º – A Dancinha da tornozeleira

Confira quais foram todas as dez marchinhas que estavam na final são:

– A Dancinha da Tornozeleira – Marcos Frederico e Belisário Nogues (3º Lugar)

– Bloco do Torresmo – Fábio “Floc” Mação e Haroldo Ribeiro Gomes (2º Lugar)

– Bolsomico – Joilson Cachaça/Afredo Jackson

– Esperando o Metrô – João Batera e Dimas Lamounier (1º Lugar)

– Festa no céu – Raul Mariano

– Marchinha do assombração – Gustavo da Macedônia

– Não Vem Se Eu Não Quiser – Carlos Linhares

– Palhaço Tupiniquim – Ricardo Gomes

– Pai, cadê você? – Aggeo Simões, João Faleiro e Henrique Lizandro

– Trombeta – Rita Maria Leonardo Pereira Guerra e Maria Regina Gomes Paletta

Neste ano, o concurso distribuiu prêmios em dinheiro para os três primeiros colocados, além do troféu Mestre Jonas. Segundo a organização, o 1º lugar recebe R$ 5 mil; o 2º lugar, R$ 3 mil; e o 3º lugar ganha R$ 1,5 mil.

Conheça as marchinhas selecionadas. Você também pode escutar as canções.

Conheça marchinhas de outros carnavais:

Marchinha do Boçalnaro

Marchinhas do Carnaval de 2017

Concurso de Marchinhas de Carnaval Mestre Jonas 2017

O que Os Racionais podem ensinar sobre Consumo e Finanças?

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No último curso dado por mim em Economia no Cinema, no último ano da graduação do IE-UNICAMP, foi sobre o Brasil. Na última parte, inspirado pelas cinebiografias por décadas e gêneros musicais — Vinicius (50’s), Chico (60’s), Raul Seixas (70’s), Rock Brasília (80’s), Vou Rifar Meu Coração (90’s), Rap e Funk Ostentação (2000’s) –, apresentei um desafio aos grupos de alunos: cada qual pesquisar os temas econômicos contidos nas letras de músicas dos diversos gêneros. Foram geniais as descobertas! Levantaram até Música Caipira de Protesto!

A reportagem abaixo tem tudo a ver com o nosso programa de curso e trabalho de pesquisa sobre Economia na Música. Foi escrita por Giovanna Costantipublicado por CartaCapital em 08/07/2018

A dissonância entre o mercado financeiro e o cotidiano das finanças pessoais incomodava a economista Gabriela Mendes Chaves. No trabalho, o contato era com ativos financeiros que superavam o PIB nacional, mas quando se voltava para o dia-a-dia, via na população um déficit de conhecimento dos conceitos mais básicos de economia.

Com base nas estatísticas e na própria vivência pessoal, ela notou que os negros e negras eram subrepresentados no mundo das finanças. Há dois anos, ela e a contadora Gabriela Gomes se uniram e criaram uma empresa focada no empoderamento financeiro, a NoFront. Ela começou de vez suas atividades em maio deste ano e que terá lançamento oficial neste mês. O público alvo? A comunidade negra das periferias.

Em um contexto de crise, permeado por desemprego, subemprego, subremuneração e baixa educação financeira, a população negra no Brasil é a mais prejudicada. O desemprego é muito maior entre os negros e o desnível de remuneração entre profissionais negros e brancos com a mesma qualificação ainda é muito alto. No mercado financeiro, eles são exclusivamente tomadores de crédito e seus pedidos de empréstimos são três vezes mais negados que os de pessoas brancas.

Gabriela Mendes explica que o objetivo é fortalecer economicamente as comunidades negras e fornecer qualificação e repertório para que elas façam escolhas financeiras mais conscientes. “Infelizmente, não vamos mudar a estrutura do capitalismo, mas queremos usar o conhecimento como uma saída para fomentar a economia negra”, explica a economista.

Mas como fazer com que o repertório das finanças atinja, de fato, esse público? Foi com essa indagação que surgiu a ideia de usar o rap. “O Racionais MC’s ocupa um lugar muito importante dentro da cultura nacional do ponto de vista da voz crítica que eles dão sobre a situação do negro no Brasil”, explica Gabriela. “Muitas pessoas iam para o nosso curso acuadas, mas quando veem uma música que fala da realidade delas, elas entendem melhor.”

Leia também:
Muito além de Racionais: qual a importância da diversidade no vestibular?
Mulheres da periferia se unem e formam o ‘banco feminista’

O álbum “Cores e Valores“, que aborda a condição econômica de comunidades negras da periferia, foi determinante para que as sócias escolhessem as músicas do grupo da zona sul paulistana como meio didático. “Os Racionais representam uma mudança na autoestima da população da periferia”, explica Thiago Vinícius, que aos 20 anos fundou, no Capão Redondo, terra de Mano Brown, o banco comunitário Solano Trindade, que atualmente também é uma agência cultural.

“Eles falam de referências nossas, de como é viver em um Estado que te renega o tempo todo. Meu pai e minha mãe acompanham os caras. Eles atravessam gerações falando de como é importante se manter vivo e atuante. Vamos levar isso para as salas de aula”, comenta Thiago, citando a iniciativa do vestibular da Unicamp, que tornou leitura obrigatória o álbum “Sobrevivendo no Inferno”, obra-prima dos Racionais, de 1997.

Para Vinícius, não adianta ensinar na sala de aula usando exemplos distantes da realidade. “Temos que problematizar o status quo da comunidade e temos que aprender com as nossas referências”, completa.

Rap e consumo

Na Virada Cultural de 2013, Mano Brown proferiu um famoso discurso que viralizou na internet. O integrante do Racionais MC’s deu uma bronca durante o show ao comentar arrastões que aconteceram durante a madrugada do dia anterior.

“Os malandrão roubaram o Mizzuno do moleque que custa 900 paus. Ele vai voltar pra quebrada dele mais pobre. Quem ganha 900 por mês aí levanta a mão. Nosso povo tá dizendo que tá desempregado”, disse, para o mar de jovens que assistia ao show.

“A gente tem que se capacitar, temos que aprender um pouquinho mais. Hoje em dia você pode procurar a sua informação e o que te interesse. As vezes temos que fazer o que não gostamos para sobreviver. O que eu vi ontem no centro tá longe de ser uma evolução. O rap precisa de gente de caráter, não de malandrão”, terminava o discurso, ovacionado pela público.

A época foi o início da massificação do uso da palavra “ostentação” no meio cultural. Um ano depois, veio a onda dos “rolezinhos”. Em que jovens, em especial das periferias, ocuparam os shoppings, espaço em que eram tratados com de forma preconceituosa, ostentando roupas de marcas famosas. Toda essa narrativa não passou despercebida das letras do Racionais MC’s.

De 2006 a 2014, 3,3 milhões de famílias ascenderam das classes D e E para a C, que, no começo de 2014 era a classe social que mais crescia no país. Em 2013, as 108 milhões de pessoas que compunham essa classe gastaram 1,17 trilhão de reais. O aumento do consumo vinha acontecendo graças a uma diminuição do desemprego e às políticas públicas de distribuição de renda, implantadas no início da década.

Também em 2013, antes da recessão e da crise econômica que começou a atingir o país dois anos depois, a possibilidade do aumento da renda dessas famílias colocou em pauta a forma como a classe C gastava seu dinheiro.

No álbum “Cores e Valores”, lançado em 2014, a ascensão social é cantada por Mano Brown (Os nego quer algo mais do que um barraco pra dormir / Os nego quer não só viver de aparência / Quer ter roupa, quer ter joia e se incluir / Quer ter euro, quer ter dólar e usufruir), assim como a cultura do consumo (Cordão (eu compro) / Que agride (eu compro) / Os pano (eu compro) / De grife (eu compro) / Pra nós não tem limite) e as desigualdades que não cessaram com o aumento do poder de consumo (Olha só aquele shopping, que da hora! / Uns moleques na frente pedindo esmola).

“Qual é o efeito quando o cara que nunca teve acesso ao ensino financeiro pode entrar numa loja e gastar seu dinheiro? Isso é muito importante para entender de onde vem a ostentação no caso de quem sempre teve o acesso negado ao consumo e ao dinheiro. É um paradigma muito complexo”, argumenta Gabriela.

Caroline Amanda, do Coletivo Carolina de Jesus, explica que em um momento de ascensão da classe C, como o vivido na última década, a prática do consumo foi usada por muitos como forma de substituir lacunas sociais. “Aquele que foi humilhado, sofreu violências, violações, vai usar o consumo para ser aceito”, explica ela.

Já em 2014, um em cada quatro inadimplentes da classe C devia ao menos o dobro de sua renda. Em 2017, segundo o Serasa, quase 80% dos brasileiros inadimplentes ganhava, no máximo, até dois salários mínimos.

“A importância da discussão da retomada da agência financeira tem a ver com a compreensão de o que é ser negro na sociedade e sobre não usar o consumo como fuga, como acontece, mas de forma responsável”, completa Caroline.

Público alvo  
Até agora, 80% dos alunos da NoFront são mulheres. A faixa etária varia dos 18 aos 58 anos.

Gabriela joga luz para o fato de que as mulheres negras de periferias desenvolvem, com a vivência, um know how para administrar o pouco e do pouco fazer muito. Não fugindo das estatísticas, muitas assumem uma jornada dupla, muitas vezes tripla, para sustentar a família.

“Na periferia as mulheres ganham dois salários mínimos e ainda ajudam e sustentam os filhos e netos. Isso requer uma disciplina muito grande. A responsabilidade com a família que faz com que elas necessariamente precisem estar pensando em finanças a todo momento. O controle financeiro é fundamental”, afirma.

A mesma população negra também estuda e trabalha ao mesmo tempo. Para Caroline Amanda, negra e estudante da UFRJ, a permanência estudantil tem vínculo embrionário com as condições financeiras dos jovens.

As cotas raciais não evitam a evasão universitária. Em um contexto de arrocho e até mesmo cancelamento de bolsas estudantis, Caroline vê a tomada da agência financeira como ajuda essencial para evitar a evasão. “O atraso e a precariedade das bolsas afeta toda a renda da família que mantém o jovem na universidade. O planejamento financeiro é importante para a permanência deles”, afirma.

Também há um público para o qual as finanças têm se tornado essenciais. Thiago conta que os jovens das quebradas têm cada vez mais se interessado por finanças para organizar sua renda gerada através de produtos culturais. “Oitenta por cento dos empréstimos da Solano é ligado aos jovens”, explica ele, que coordena uma agência cultural com mais de 150 jovens empreendedores das periferias de São Paulo.

Agora a intenção é levar o projeto da NoFront ao Rio de Janeiro também, com a ajuda de Carolina. “Vamos tentar somar essa literatura musical dos Racionais com o funk”, conta a estudante.

Para ela, a conjuntura vivida pelo estado é muito diferente da situação de São Paulo, o que faz com que a didática talvez careça de adaptações. Além da crise financeira aguda, a segurança pública é, inevitavelmente, a principal preocupação. “A prioridade está em sobreviver. Mas não dá para sobreviver só fugindo da bala, tem que fugir dos juros também, da dívida, da inadimplência”, comenta.

Voz do Povo


Quero Haddad Presidente 13

Música Popular da Direita

Vídeos Memoráveis: Pink Floyd

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O YouTube em smartTV propicia reencontros inesperados. No caso acima, meu algoritmo sugeriu escutar novamente, mas desta vez vendo seus vídeos, dois dos álbuns preferidos na minha adolescência: Echoes e Dark Side of The Moon com o rock progressivo de Pink Floyd. Eu os escutava continuamente ao fim das tardes de estudo.

No passado, não havia vídeos para a gente assistir. O visual ficava por conta da imaginação de cada um. Hoje, os desenhos digitais com mistura de técnicas vão além da imaginação de outrora! Confira abaixo.

Escola Sem Verba?!

Tudo Sobre Minha Música

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Kathleen M. Vernon, no livro A Companion to Pedro Almodóvar (First Edition. Edited by Marvin D’Lugo and Kathleen M. Vernon. Blackwell Publishing Ltd. Published; 2013) quer olhar para uma série de seleções e estratégias musicais específicas, adotadas por Pedro Almodóvar, na tentativa de entender as forças concorrentes em jogo tanto na produção quanto na recepção de seus filmes, além de seu papel como produtor cultural.

Em um estudo anterior, a autora analisou o papel privilegiado concedido à música e à letra latino-americanas, especialmente o bolero, em seu cinema (2005). Neste capítulo, Vernon se propõe considerar a natureza e a função de seu repertório de música mais amplamente em relação a outro quadro de referência, ou seja, o fenômeno e corpus da “world music“, tomado como uma matriz e uma proxy para o funcionamento do atual mercado cultural global e globalizado nos quais filmes e gravações de Almodóvar são produzidos e consumidos.

Esse desejo de estabelecer um contexto crítico mais amplo vem em resposta à convergência de dois desenvolvimentos em sua prática criativa:

  • por um lado, a expansão da habitual geografia temática e textual de Almodóvar em filmes recentes como o Todo sobre mi madre / Tudo Sobre Minha Mãe (1999), Volver (2006), e La piel que habito / The Skin I Live In (2011); e,
  • por outro, a busca pessoal e comercial colaborações produtivas com três pan-americanos – ou o que poderíamos denominar latinos globais – cantores / intérpretes como Chavela Vargas, Caetano Veloso e Concha Buika.

No que diz respeito aos filmes, vários críticos comentaram o que Marvin D’Lugo (2006: 100) define os “realinhamentos geoculturais” por Todo sobre mi madre, onde a ação principal se move da cidade natal do diretor e da habitual filmagem de Madrid a Barcelona e os destinos dos personagens traçam um longo arco narrativo capaz de abranger a Galiza, a Argentina e Paris. Uma expansão adicional da órbita geográfica e afetiva do filme é sinalizada pelo aparecimento de um dos maiores sucessos da discografia de Almodóvar, “Tajabone”, do músico senegalês Ismaël Lô.

Em sua leitura das temáticas transnacionais do filme, Linda Craig (2010) liga a canção para outras manifestações visíveis da presença africana (ou afro-caribenha) de imigrantes, como na cena em uma praça de Barcelona destacada por Almodóvar por sua “vitalidade. . . onde vinte e cinco meninas dominicanas ou africanas estão pulando corda” (Altares 1999: 140). Serve como pano de fundo para a conversa entre dois dos protagonistas.

Em Volver, o movimento entre as origens da família central em uma aldeia provinciana e do bairro multicultural de Madrid, onde habita a protagonista Raimunda (Penélope Cruz), estrutura a narrativa enquanto o núcleo emocional do filme é ancorado por outra peça central musical, o tango Gardel-LePera: “Volver”. Da forma interpretada por Penélope Cruz (com a voz de Estrella Morente) a cena remonta ao amor anterior de Almodóvar pelas versões e adaptações de sincronização labial, enquanto a música em si afeta uma migração estilística do idioma argentino do tango a bulerías inflexionadas por flamenco.

A música e as letras da música tematizam o reencontro com um passado pessoal e também com uma cultura auditiva pan-hispânica. Ela é o produto da longa circulação de entretenimento de mídia de massa ocorridos em todo o mundo de língua espanhola (D’Lugo 2008: 80).

Por sua vez, La piel que habito incorpora uma sub-trama brasileira. Ela lembra uma novela, envolvendo a família do protagonista Robert Ledgard (Antonio Banderas) a suas origens – meio irmãos ilegítimos, uma mãe que passa por governanta –, injetando momentos de energia anárquica em um conto de vingança clinicamente calibrado.

Outra música, neste caso a melodia brasileira, “Pelo amor de amar” (Para o amor de amar; Jean Manzon e José Toledo), desempenha um papel fundamental. Ela é cantada pela filha jovem de Ledgard (Ana Mena como a criança Norma), precipita a morte de sua mãe e é posteriormente reprisada em espanhol por Concha Buika, pouco antes de Norma (Blanca Suárez) sofrer um estupro.

Alianças musicais on e off-screen de Almodóvar com Chavela Vargas e Caetano Veloso são anteriores à introdução destes artistas globais, sem deixarem de ser em grande parte latino-americanos, como subtextos narrativos em seus filmes.

Chavela Vargas é ouvida pela primeira vez em Kika (1993) cantando “Luz de Luna” (Alvaro Carrillo). Seu repertório de bolero ecoa através de Tacones lejanos / High Heels (1991) na versão de “Piensa en mi”, de Agustin Lara, dublado por Luz Casal e interpretado por Marisa Paredes.

O diretor comenta ele ter pedido à cantora de rock espanhola Casal para modelar sua performance com a de Vargas: “Piensa em mi é uma música muito rítmica, mas quando Chavela cantou ela tirou todo o ritmo e transformou-o em um fado, em um genuíno lamento. Essa é a versão que eu copiei para De Saltos Altos” (Strauss 2006: 112). Vargas é destaque em uma performance de televisão incluída em La flor de mi secreto, onde ela canta um dos seus números de assinatura, “El último trago” (José Alfredo Jiménez) ao protagonista emocionalmente desamparado, Leo (Marisa Paredes). Uma terceira música, “Somos” (Mario Clavell) preside o amor estendido cena entre Víctor (Liberto Rabal) e Elena (Francesca Neri) em Carne trémula / Live Flesh (1997).

As colaborações de Caetano Veloso com o diretor seguem um padrão similar, com sua voz precedendo sua aparição na tela na filmografia de Almodóvar. A versão em falsete assombrada por Veloso de “Tonada de luna llena” (Simón Díaz), encontrada em seu CD de espanhol de 1994, Fina estampa, apresenta e permanece nos créditos finais de La flor de mi secreto. Sua performance “ao vivo” de “Cucurrucucú paloma” (Tomás Méndez, México, 1954), também apresentado em uma versão ao vivo de Fina estampa, é o foco de uma sequência altamente auto referencial em Hable con ella, onde o cantor executa no pátio de uma casa de campo diante de um público misto, composto de personagens do filme e habitantes do universo maior extratextual de Almodóvar, incluindo as atrizes Cecilia Roth e Marisa Paredes e o cantor Martirio.

O mais novo membro do trio, trabalhando profissionalmente pelo nome único Buika, nasceu em Mallorca de pais guineenses e equatorianos. Ele possui uma carreira e repertório musical abrangente do R&B americano, da copla espanhola, da fusão flamenca de boleros e jazz latino. Ela faz sua estreia no cinema de Almodóvar em La piel que habito com o desempenho na tela de fragmentos de duas músicas, o bolero “Se me hizo fácil” (Agustín Lara), e a versão em espanhol da acima mencionada música brasileira, “Por el amor de amar”, ambientada no contexto da recepção de casamento com a presença de Ledgard e sua filha.

Essas alianças e colaborações, fundamentadas no complexo de relações de identificação mútua e promoção cruzada emocional, afinidades econômicas e simbiose artística, distinguem a vida cultural de Almodóvar pelo cultivo de artistas e músicos latinos. Esse tipo de música, reunindo artista performático e cultural, o crítico Guillermo Gómez Peña classifica ironicamente de “Síndrome do Buena Vista Social Club”, referindo-se à prática de músicos ocidentais e promotores de buscar novos (ou redescobrir antigos) sons musicais e tradições incomuns, a fim de os re-embalar para o público mainstream contemporâneo (Taylor 2007: 126).

De fato, tais acusações têm sido frequentemente feitas contra essa categoria de música, vista como uma estratégia comercial e uma forma de neocolonialismo cultural.

Eles são aparentes na definição oferecida por Deborah Pacini-Hernández da world-music como: “um termo de marketing capaz de descrever os produtos da fertilização cruzada musical entre o norte – os EUA e a Europa Ocidental – e o sul – principalmente a África e a Bacia do Caribe – que começou a aparecer na paisagem da música popular no início dos anos 80 [via] o surgimento de novas infraestruturas comerciais interligadas e estabelecidas especificamente para cultivar e nutrir o apetite dos ouvintes do Primeiro Mundo para novos sons exóticos do Terceiro Mundo” (1993: 48-50).

Analisando o corpus da canção de Almodóvar, no entanto, a geometria esquemática divida esboçada na definição de Pacini-Hernández exige uma certa qualificação.

Como John Connell e Chris Gibson, editores da coleção Sound Tracks: Popular Music, Identity and Place, sugerem, na prática, a classificação da world music também depende da “posição social, política e demográfica de certa minoria grupos em um determinado país” (2003: 153). Assim, eles explicam o reggae ser raramente caracterizado como world music e que nos Estados Unidos, com sua significativa população latina, a salsa não é considerada world music, enquanto nos Reinos Unidos é. Na Espanha, o status do bolero, canción ranchera, ou tango reflete não só a presença de imigrantes recentes, mas também a história da imigração intercultural intercâmbio com ex-colônias da nação.

Na edição espanhola de 1995 do livro Entrevistas de Almodóvar com Frédéric Strauss, Almodóvar, talvez surpreendentemente, enfatiza o caráter estranho, se não estrangeiro, das canções latino-americanas ouvidas em seus filmes, aludindo às assimetrias históricas e culturais que moldaram as relações musicais entre a Espanha e a América Latina. Quanto à falta de conhecimento deste corpus, ele observa:

É um pouco injusto porque todos esses artistas, de Los Panchos em The Law of Desire, para Lucho Gatica em hábitos escuros, Los Hermanos Rosario em saltos altos ou Chavela Vargas nos filmes mais recentes, cantam em nosso mesmo idioma, e mesmo que sejam de América espanhola eles deveriam ser mais conhecidos aqui. Existe um tipo de preconceito contra este tipo de música que por um longo tempo foi considerado antiquado e excessivamente sentimental. Para mim, é uma música pela qual sou apaixonado e estou muito feliz ter ajudado para o trabalho de todos esses artistas ter sido reeditado com algum sucesso. Hoje em dia o bolero é visto de maneira diferente na Espanha, é até se tornar um pouco na moda. A Espanha é muito injusta com os países de língua espanhola, parece uma espécie de superioridade que não é muito favorável. Na celebração do aniversário dos 500 anos da descoberta da América havia muita hipocrisia. Minhas descobertas surgem de uma forma sentimental e é bom ver mais tarde que eles função no mercado porque parece que a justiça é restabelecida.”

Os comentários de Almodóvar são reveladores em muitos níveis. À primeira vista, a aparente amnésia em relação à longa presença de músicos populares latino-americanos no imaginário cultural espanhol do século XX é impressionante. Em seus ensaios, escritores como Carmen Martín Gaite (1978; 1987) e Manuel Vázquez Montalbán (1971; 2000) dão testemunhos pessoais e documentam o papel das baladas românticas latino-americanas na educação sentimental de espanhóis sob Franco.

Estudando a circulação e recepção da música latino-americana na Espanha de Lorca a Almodóvar, Christopher Laferl afirma: “Nenhum outro país incorporou a música latino-americana em sua própria cultura a um grau tão intenso como a Espanha, com exceção dos próprios países da América Latina” (2007: 139).

Suspeita-se de Almodóvar não se expressar a respeito de maneira diferente hoje, mais de quinze anos depois de suas declarações a Strauss.

Para o diretor, tendo prometido “fazer filmes como se Franco jamais tivesse existido”, talvez a herança musical dos anos 1930, 1940 e 1950 era parte daquilo precisando ser esquecido, mas agora pode ser recuperado e reconhecido. Sua reconciliação musical com este legado auditivo é alegorizada em Volver, na cena mencionada anteriormente quando Raimunda decide cantar, pela primeira vez em muitos anos, uma versão do tango de Gardel que sua mãe lhe ensinou quando criança. Assim é a história da música latino-americana em Espanha reinscrita no intrincado tecido familiar e memória popular.

Igualmente relevantes para a discussão de Kathleen M. Vernon são as referências à política mais ampla contexto. Enquanto denuncia as atitudes anti-latino-americanas na Espanha, Almodóvar mais uma vez procura desassociar suas próprias motivações de fatores externos. Neste caso, durante a observância oficial do centenário de Colombo, quando destacou a tentativas contínuas de reescrever sua história de cinco séculos com a América Latina em um momento de aumento do investimento econômico espanhol na região. Dizendo a palavra politicamente carregada “descoberta” se repete em uma referência à “Descoberta” da América e suas próprias descobertas de canções no corpus da América Latina. Almodóvar mais uma vez enfatiza a base pessoal e sentimental de suas escolhas artísticas, mas aqui o mercado é invocado como a fonte potencial de uma espécie de justiça ou reparação pelo que é apenas o último de uma série de erros históricos.

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