Será inédito (e original) no Curso de Economia no Cinema – Cidadania & Cultura Brasileira, escrever um trabalho sobre Economia inspirado pela leitura da trilogia de Franklin Martins: Quem Foi Que Inventou o Brasil? A música popular conta a história da República. Vol. I – de 1902 a 1964. Vol. II – de 1964 a 1985. Vol. III – de 1985 a 2002. RJ, Nova Fronteira, 2015.
Visite o site: http://quemfoiqueinventouobrasil.com/. Soma-se a essa inspiração a audição do playlist do Spotify (12142604272), Economia em Letras de Música, com músicas populares brasileiras que reportam à economia. Foram selecionadas por mim.
Segundo Martins, “não há fato relevante da política brasileira, no século XX, que nãotenha provocado a criatividade de nossos compositores e que não tenha sido cantado pelo povo, em uma resposta quase simultânea aos acontecimentos. As pouquíssimas exceções a essa regra deram-se em períodos de ditaduras ou em conjunturas nas quais os fatos políticos desenrolaram-se com rapidez tão vertiginosa que, em pouco tempo, acabaram sendo superados por novos desdobramentos, ainda mais significativos”.
Encontra-se letras de músicas com temas econômicos em quase todos os gêneros cantados pelo povo brasileiro. Entre outros, dos sambas à bossa-nova, das cançonetas às músicas de protestos, dos baiões aos rocks, dos repentes aos raps, dos frevos aos funks, todas as variantes abrigadas na chamada MPB (Música Popular Brasileira) podem ser pesquisadas.
Além de análise por gêneros musicais, cabe classificar os temas econômicos abordados que forneceram inspiração aos compositores. Eles estiveram atentos aos principais eventos macroeconômicos ou expressaram apenas os fenômenos microeconômicos?
Desde os primórdios, os letristas buscaram fazer a crônica musical de eventos, costumes, novidades, modismos e reviravoltas da vida nacional, de um modo geral – e da cena política, em particular. A música popular brasileira segue fazendo a crônica da vida econômica nacional?
No início do século XIX, com a chegada da corte portuguesa à colônia nas Américas, cantou-se: “Quem furta pouco é ladrão / Quem furta muito é barão / Quem mais furta e esconde / Passa de barão a visconde”, debochava uma canção satírica obre a decisão do rei de vender títulos de nobreza para equilibrar as finanças da Coroa.
A cançoneta, herdeira da chansonette francesa, por aqui aportou em meados do século XIX ao serem abertos os primeiros “cafés-cantantes”. Era uma canção curta que explorava, em clima de chacota, os fatos da atualidade, geralmente com letra maliciosa e de duplo sentido. A cançoneta logo encaixou-se com a natural inclinação jocosa que já existia no público brasileiro. Passou a designar qualquer cantiga engraçada ou maliciosa.
O Teatro de Revista era visto como revistas encenadas nos palcos. Eles se propunham a revisar com ironia os principais acontecimentos, novidades e modas surgidas durante o ano. Eram uma crônica dos fatos, feita em tom de pilhéria. Consolidaram o gosto popular pela crônica dos fatos comportamentais, políticos e sociais, tratados com irreverência e malícia. E os econômicos?
A canção no Brasil consolidou, definitivamente, sua condição de cronista dos fatos políticos, sociais e culturais com a transformação do carnaval, que nos últimos anos da década de 1910 passou de festa dançada a festa também cantada.
A indústria fonográfica foi criada no Brasil em 1902. A produção de músicas para o carnaval já era responsável, na década de 1930, por 40% dos títulos lançados anualmente pelas gravadoras.
Esse fenômeno reforçou-se ainda mais na Era do Rádio, chegando até os anos 1960, ou seja, durante meio século, o carnaval inspirou a maioria das músicas produzidas no País, destacadamente de canções de crônica de fatos e costumes. Estas só perdiam para as canções românticas tipo “ai que dor, perdi meu amor”…
Na década de 1960, com o início da Era da Televisão, tornando esta o principal meio de comunicação de massa, o carnaval passou de festa bailada e cantada para festa assistida passivamente. Na ditadura militar, a participação ativa na rua foi substituída por assistir o espetáculo televiso em casa.
Com a decadência dos “bailes de carnaval”, inclusive em salões de clubes (ambientes fechados), deixou-se de criar marchinhas, ultrapassadas pela hegemonia dos sambas-enredos, cuja tradição era revisar os fatos históricos épicos e exaltar os vultos do passado como heróis. Com a onda nacionalista ufanista, em marcha forçada pelos militares, foi sendo auto censurada a revista dos fatos sociais, políticos e comportamentais recentes.
E “o milagre econômico” deu margem para a louvação tipo “porque eu me ufano do meu País: ame-o ou deixei-o”. A economia só fomentou as “canções reaças, preconceituosas, machistas, homofóbicas” ou deu margem à permanência da relação da música popular com a crônica? Como se cantava as dores e as alegrias do cotidiano?
No Brasil, a relação entre a música e a política não é como em outros países onde as músicas têm um caráter claramente militante, buscando mobilizar partidários e estigmatizar partidários, ainda que com criatividade e bom humor. Nestes países, à medida que os conflitos eram resolvidos, com a vitória de um dos lados, decaia o ritmo de produção musical sobre política. Já no Brasil embora em alguns momentos a música tenha se revestido de caráter militante ou engajado, seu padrão habitual foi o da crônica dos fatos, o que a levava a alimentar-se de temas novos, dando-lhe continuidade e permanência.
Por exemplo, a oposição entre quem pega no pesado e quem não gosta do batente é um tema basicamente comportamental. A crítica ou a louvação do malandro diz respeito a duas perspectivas distintas:
- a do patrão que deseja subordinação total à linha de produção em série e
- a do empregado consciente de sua exploração.
Para Franklin Martins, “os critérios para que se considere que uma música versa sobre política não são rígidos, imutáveis, atemporais. Ao contrário, eles variam de acordo com as próprias condições da luta pelo poder nos diferentes períodos, que agem tanto sobre quem produz como sobre quem consome as canções”. Em outras palavras, ele sugere que o ponto de partida para a classificação dos temas econômicos na MPB está na identificação dos temas que estão presentes na cena nacional em cada determinado período.
Hoje, por exemplo, está sendo retomada a tendência de crônica social, política e econômica nas marchinhas de carnaval, mas de forma distinta do passado, pois a ilustração das letras com vídeos no YouTube é fundamental para lhe captar o duplo sentido malicioso. A direita golpista, não conseguindo disputar em inteligência e bom-gosto com a esquerda democrática no campo cultural, afirma que as marchinhas são “politicamente incorretas”. Muito antes, pelo contrário! Elas são politicamente corretas ao denunciar os escândalos do governo golpista e seus apoiadores reacionários!
Tome a letra de “O baile do cidadão do bem” como exemplo. Ela foi a grande vencedora da sexta edição do Concurso de Marchinhas Mestre Jonas, realizado em Belo Horizonte em 2017. “O baile do cidadão do bem” é uma paródia das manifestações a favor do golpe contra a Presidenta Dilma Rousseff.
“Essa Marchinha vai pra todo cidadão que defende
com unhas e dentes o estado democrático de direita”
Veja só quem vem
É o cidadão de bem, é o cidadão de bem!
Contra a corrupção
Taça de champanhe na manifestação
Eu só ocupo duas vagas no supermercado
Porque meu carro é top e muito bem tratado
Meu malvado favorito só voa de jatinho
Eu tenho fé em deus ele não vai cair sozinho
Veja só quem vem
É o cidadão de bem, é o cidadão de bem!
Contra a corrupção
Taça de champanhe na manifestação
A Sehrazade me conta toda noite
Lugar de vagabundo e transviado é no açoite
Bandido bom é bandido morto
Porém sou humanista, não sou a favor do aborto
Veja só quem vem
É o cidadão de bem, é o cidadão de bem!
Contra a corrupção
Taça de champanhe na manifestação
Eu repudio veementemente as provas cabais
Vou bloquear quem me ofende nas redes sociais
No movimento boca livre da varanda “gourmet”
Eu vou bater minha panela “le creuset”
Veja só quem vem
É o cidadão de bem, é o cidadão de bem!
Contra a corrupção
Taça de champanhe na manifestação
(Bateria e Voz)
Veja só quem vem
É o cidadão de bem, é o cidadão de bem!
Contra a corrupção
Taça de champanhe na manifestação
Veja só quem vem
É o cidadão de bem, é o cidadão de bem!
Salve! o cidadão de bem (Amém!)
Nessa privada o público é de ninguém
Nessa privada o público é de ninguém
Nessa privada o público é de ninguém
A segunda colocada foi Solta o cano (Marcos Frederico/ Vitor Velloso). Sem as imagens — e a sonoridade do refrão “só tucano” — não seria tão sugestiva da época que vivemos: os tucanos não têm penas, só teflon!
Solta o cano que tá tranquilão no carnaval!
Solta o Cano
Mais um dia mais um vazamento
Segura o cano ou a casa cai
O furico tá na mão
E já não aguento
A pressão está demais!
Eu já rezei pedi pra Cristo
E finalmente achei a
solução
Eu arrumei o meu registro
Agora a casa não cai mais
Solta o cano que não cai
Solta o cano que não cai
Meu irmão
Já vai baixar a pressão
Solta o cano que tá
tranquilão
3º. Pinto por cima (Vitor Velloso – Gustavo Maguá – Marcelo Guerra)
4º. Puxa saco (Jadir Ferreira Laureão e Aldnei Pereira Sobrinho)
5º. Nesse Carnaval (Rafael Macedo)
O Concurso de Marchinhas Mestre Jonas foi criado em 2012 para homenagear o cantor, compositor e carnavalesco, falecido em dezembro de 2011. Desde então conquistaram a maioria dos votos as marchinhas:
- “Na Coxinha da Madrasta” (2012),
- “Imagina na Copa” (2013),
- “Baile do Pó Royal” (2014),
- “Rejeitados de Guarapari” (2015) e
- “Não Enche o Saco do Chico” (2016) — veja abaixo.
